Após a resolução n. 1.973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas - ONU, em 17-3, autorizando “intervenção humanitária-militar” na Líbia, e uma reuniãozinha de emergência em Paris, em 19-3, para combinar como seria implementada tal resolução, a situação na Líbia entra em escalada de conflito/guerra multinacional. E os primeiros relatos do primeiro dia da operação batizada de Odissey Dawn informaram que o ataque da “coalizão” iniciou com 112 mísseis-cruzadores Tomahawk lançados de navios dos EUA (e de um submarino britânico) e com os jatos franceses atingindo quatro tanques do exército líbio.
A luta do povo líbio contra o ditador Kadafi/Gaddafi mereçe apoio. Entretanto, pode-se dizer que isto é apenas um pretexto para a colizão internacional legitimar o que se chama eufemisticamente de “intevenção humanitária-militar”... Os interesses reais são outros bem se sabe...
Líbia: guerra Clube Med
Intervenção “humanitária” nunca é só humanitária. Será a Líbia o novo Iraque?
Seria realmente estimulante imaginar que a Resolução n. 1.973 da ONU tivesse sido votada na 5ª-feira só para oferecer suporte ao movimento anti-Gaddafi que está sitiado. Para socorrê-lo com zona aérea de exclusão, logística, comida, ajuda humanitária e armas. Seria a prova de que a “comunidade internacional” realmente “está ao lado do povo líbio em sua luta por direitos humanos universais”, nas palavras da embaixadora dos EUA à ONU, Susan Rice. Infelizmente, ainda falta muito para que se chegue a essa situação de fazer a coisa (moral) certa [...].
É o petróleo, estúpido!
Os mais céticos têm todo o direito de invocar o infalível mantra: é o petróleo, estúpido!
A Líbia é a maior economia movida a exportações de petróleo da África, à frente da Nigéria e da Argélia. Tem pelo menos 46,5 bilhões de barris de reservas comprovadas (10 vezes mais que o Egito). Equivalem a 3,5% das reservas globais totais. A Líbia produz entre 1,4 e 1,7 milhões de barris de petróleo/dia, mas quer chegar a três milhões/dia. É óleo muito bem cotado, sobretudo pelo baixo preço de produção (cerca de $1,00 o barril).
Quando Gaddafi ameaçou as grandes ocidentais do petróleo, estava dizendo que o show acabou para a Total francesa, para a italiana ENI, para a British Petroleum (BP), para a espanhola Repsol, para a ExxonMobil, Chevron, Occidental Petroleum, Hess and Conoco Phillips –, mas não para a China National Petroleum Corp (CNPC). A China considera a Líbia fator essencial para sua segurança energética. A China compra 11% do petróleo exportado pela Líbia. A empresa chinesa CNPC repatriou silenciosamente nada menos que 30 mil chineses que trabalhavam na Líbia (a British Petroleum tinha na Líbia só 40 funcionários).
A gigante italiana de energia ENI produz mais de 240 mil barris de petróleo/dia – quase 25% do total de exportações da Líbia. E nada menos que 85% do petróleo líbio é vendido a países da União Europeia.
Uma lista de quem-é-quem dos que – teoricamente – se beneficiam na operação militar sancionada pela ONU/OTAN/Liga Árabe na Líbia tem de incluir a União Europeia e o “Big Oil” anglo-americano. Para não falar de Wall Street – pensem nos bilhões de dólares da grande finança líbia depositada em bancos ocidentais e agora confiscados; e, claro, também os fabricantes de armas da União Europeia e dos EUA.
Dependendo de que como seja aplicada e de o quanto Gaddafi resista, a Resolução n. 1.973 está intimamente ligada a grave interrupção do suprimento de petróleo para a União Europeia, especialmente para Itália, França e Alemanha. E isso tem todos os tipos de implicações geopolíticas, a começar pelo relacionamento entre EUA e União Europeia. Todos querem estar bem posicionados no ambiente energético pós-Gaddafi.
O item chave da Resolução n. 1.973 é o item 4 – tipo “Autoriza estados-membros da ONU a tomar todas as medidas necessárias, apesar do embargo anterior a armas, para proteger civis e áreas de população civil contra a ameaça de ataque na Jamahiriya Líbia Árabe, incluindo Benghazi, excluídas as forças estrangeiras de ocupação em qualquer parte do território líbio”.
Essencial destacar que “tomar todas as medidas necessárias” vai bem além de uma zona aérea de exclusão, e para a um passo de invasão por terra. No que interessa, autoriza ataques aéreos ou por mísseis-cruzadores contra os tanques de Gaddafi na estrada para Benghazi, por exemplo. Mas pode cobrir também bombardeio dos prédios do governo de Gaddafi em Trípoli – quartel-general, palácio de governo etc. Dado que Gaddafi já manifestou disposição de lutar até a morte, é justo pressupor que a Resolução n. 1973 estende-se até a derrubada do governo de Gaddafi. [...]
A bola (de fogo) no Med está no campo de Gaddafi. Seu ministro da Defesa já avisou que todo o tráfego aéreo e naval no Mediterrâneo está por um fio – e que vale tudo, inclusive alvos civis e militares. Gaddafi, pessoalmente, disse ao canal RTP, de Portugal, que “se o mundo enlouqueceu contra nós, também enlouqueceremos. Responderemos. Converteremos a vida deles num inferno, porque estão convertendo nossa vida num inferno. Jamais terão paz.”
Portanto, cuidado. A grande revolta árabe de 2011 está à beira da loucura. Essa guerra clube-Med pode ser um vendaval – ou virar desgraça sangrenta, furiosa, dos infernos.
Por Pepe Escobar, do Asia Times Online. Tradução: Coletivo VilaVudu. Texto completo disponível em Outras Palavras.
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