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7.4.10

Capitalismo: prófetismo de Schumpeter


O afinco com que Marx e Schumpeter, por razões muito diferentes, anunciaram o desaparecimento do capitalismo em beneficio do socialismo é um perfeito exemplo de como a análise científica pode se tranformar em ato de fé. [...]

Ora, após ter consagrado a primeira parte de Capitalismo, socialismo e democracia a denunciar as contradições e as ilusões do marxismo, Schumpeter também conclui seu último livro com um exercício de prófetismo igualmente temerário.

Para Marx, embora sem data definida, o fim do capitalismo estava próximo, visto que esperava a ajuda da história, ou seja, a revolução; em todo o caso, era preciso olhar para além do século [...]. Em compensação, para Schumpeter, tão certo quanto Marx do fim do capitalismo, o prazo estava muito distante, tanto mais indeterminado que o golpe fatal devia vir não do exterior, mas do próprio seio do sistema [...]. Para Schumpeter, finalmente, a doença entorpecedora que deve levar o capitalismo à morte não concerne às estruturas, nem aos processos econômicos, mas à atmosfera de hostilidade que o cerca [...].

A atmosfera geral de hostilidade que permeia o sistema capitalista explica que os poderes públicos hesitem, ou até deixam de reconhecer as exigências inerentes ao bom funcionamento do sistema mas, por si mesma, não seria suficiente para abater a fortaleza. Para incitar as massas, os partidos, os sindicatos, é preciso um demiurgo, cujo interesse é precisamente contribuir para o descrédito de todo o sistema, maldizê-lo e combatê-lo. Esse demiurgo, diz Schumpeter, é constituído de um grupo social que [...] facilmente nós os definiríamos em função da educação superior que receberam, ainda que a espécie não englobe todos aqueles que se beneficiaram dessa formação (mas todo aquele que passou por ela é um desses demiurgos em potencial). Nós os encontramos particularmente nas profissões liberais: são jornalistas e professores, mas também médicos e advogados, "quando tratam através da fala e da escrita de assuntos estranhos à sua competência".

Esses demiurgos, incansáveis coveiros do capitalismo, são intelectuais que manejam, diz Schumpeter, a palavra escrita ou falada, não assumem nenhuma responsabilidade no que concerne às questões práticas, não possuem nenhum dos conhecimentos de primeira mão que apenas a experiência fornece, têm uma atitude crítica determinada ao mesmo tempo por sua posição de observadores (que é, na maioria dos casos, a de outsiders) e devido ao fato de que sua melhor oportunidade de se impor se deve aos embaraços que suscitam ou poderiam suscitar. Como vemos, retrato pouco amável: retóricos, sofistas, filósofos [...]. Mas, sejamos justos: nem todos os intelectuais pertencem fatalmente ao clã desses demiurgos [...].

É nesse ponto que a análise de Schumpeter mostra-se premonitória. O próprio sucesso do capitalismo, que estimula e expande a educação superior, acaba por provocar uma "superprodução de intelectuais" sem indulgência para o sistema. Um número sempre maior de diplomados não encontra as ocupações profissionais às quais seus estudos lhes permitiam aspirar, sem falar daqueles que, apesar de seus estudos, conhecem o desemprego. Quanto mais os diplomados de ensino superior se propagam, tanto mais se desvalorizam, e mais as frustrações se multiplicam e aumentam. Os recém-formados "incham os quadros dos intelectuais no sentido estrito do termo, ou seja, aqueles sem vínculos profissionais, cujo número em seguida cresce desmedidamente. Eles entram nesse exército com uma mentalidade essencialmente insatisfeita. A insatisfação gera o ressentimento" [...]. Para Marx, o exército de reserva de desempregados devia contribuir, reforçando o partido dos proletários, ao desabamento da fortaleza capitalista. Para Schumpeter, os burgueses e pequenos-burgueses que passaram pelo ensino superior constituem o exército de reserva dos novos proletários, que vão contribuir para a "autodestruição do capitalismo". Resumindo, esses intelectuais estão reunidos por "um interesse coletivo que modela uma atitude coletiva": sua hostilidade em relação ao capitalismo, diz Schumpeter, se fundamenta no ressentimento, e não na indignação provocada pelo espetáculo de explorações vergonhosas. Após terem dado voz, teorias e slogans ao movimento operário, nossos demiurgos vão se imiscuir nas administrações e empresas para mobilizar as frustrações das novas classes médias. Esse trabalho de solapamento precipita o fim dos empresários e da inovação. "Como alvo da crescente hostilidade de seu ambiente e das práticas legislativas, administrativas e judiciais geradas por essa hostilidade, os empresários acabarão por deixar de preencher suas funções: seus objetivos normais se tornarão fúteis" [...].

É difícil contestar esse diagnóstico acerca das frustrações decorrentes das universidades de massa, da proliferação dos formados, da desvalorização dos títulos, cuja obtenção valia, às gerações anteriores à Segunda Guerra Mundial, uma promoção social assegurada, um passaporte de burguesia, uma garantia de poder e de patrimônio. O capítulo XIII do Capitalismo, socialismo e democracia é, seguramente, aquele que a história menos desmentiu, ou pelo menos aquele cujos temas encontram hoje mais eco na crítica das complacências ou da vulnerabilidade das sociedades liberais. No quadro dos fatores que devem cavar o túmulo do capitalismo, Schumpeter acrescenta à proletarização do ensino superior [...].

Schumpeter, entretanto, se engana a respeito do desemprego dos intelectuais. Todas as estatísticas mostram que, em todos os países industrializados, a categoria dos diplomados de ensino superior escapa mais facilmente do desemprego ou encontra mais facilmente trabalho do que todas as outras categorias. Ele tem razão ao salientar que nem todos esses diplomados exercerão necessariamente as profissões às quais se destinavam quando começaram os estudos, mas se engana ao ver neles um exército homogêneo obstinado em querer a morte do capitalismo. Os frustrados, como sugere Brettecher, pretendem, antes, tirar partido do sistema que suprimi-lo. Seguramente, a sociedade de consumo, a elevação do nível de vida e a simultaneidade das experiências contraditórias apresentadas pelas mídias aumentam o número de frustrações, assim como o número de frustrados; porém, o número de pessoas cujo crescimento econômico e cujo progresso tecnológico satisfazem as necessidades, as aspirações e as fantasias cresce ainda mais [...].

Jean-Jacques Salomon. Morte e ressurreição do capitalismo: a propósito de Schumpeter.
Trechos de um texto/capítulo do livro Les ruses de la raison - technologie, capitalisme, démocratie. Tradução de Belkiss Rabello. Revisão de Alfredo Bosi.

Um comentário:

  1. Eles podem ter errado em alguns pontos, porém dizer que utilizaram de fé para formular suas hipóteses beira a calúnia! Estes geniais homens são reconhecidos até hoje não por acaso e portanto mercem ser respeitados.A história nos mostra que nenhum sistema é eterno e perfeito, o capitalismo tem muitas falhas e seu fim virá cedo ou tarde, a crise que assolou o mundo nos mostrou quão fragil ele se encontra. O sistema de mercado nascido com a revolução industrial muito tem se modificado, e é notório que está decadente, o exemplo mais gritante é o símbolo capitalista maior: os EUA que sofrem de diversas deficiencias sociais. O sistema que virá provavelmente não seria um socialismo como os antigos profetas da sociedade propunham pois este se mostra ainda utópico para os moldes do nosso mundo mas sim algo que mistura elementos tanto do capitalismo quanto do socialismo,algo parecido com o que se observa nos países mais desenvolvidos da Europa.

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