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10.5.10

Verdade como experiência

Antes de discutir o entendimento histórico como uma dimensão da verdade, Gadamer ressalta as várias formas nas quais a natureza da experiência podem ser concebidas.

A experiência é uma dessas palavras escorregadias e, na filosofia, seria prudente trilhá-la com cuidado. [...]
Na filosofia empírica existem muitas ressonâncias, principalmente em relação às fundações do conhecimento. O empiricismo afirma que o conhecimento experimental é fundamentado se for repetível, pois experiência empírica é fundamentalmente repetição, uma reciclagem sem fim da mesma coisa [empirismo só reconhece a experiência como guia seguro, atribui exclusivamente à experiência dos sentidos a origem dos conhecimentos; conhecimentos adquiridos só pela prática; rotina]. Por exemplo, podemos falar sobre o nascimento do sol amanhã, baseado na experiência de seu nascimento no passado, numa seqüência quase sem fim das ocorrências repetidas. A idéia de experiência como repetição é legitima e se tornou parte de uma estrutura do conhecimento indutivo, mas a repetição somente captura um senso limitado e ignora outras possíveis nuanças do significado [desconhece cada um dos diferentes aspectos de algo, por tênue que seja a diferença entre eles].

Existe outra forma de falarmos sobre a experiência, que nos leva realmente a uma direção oposta à repetição. Ao invés de enfatizar o repetível, ela chama atenção para as qualidades do não-repetível e do único. Considere, por exemplo, uma frase que se refere a algo fora do comum: “Ontem à noite eu fiz algo que nunca havia feito antes, foi uma experiência e tanto!”. O caráter essencial da experiência foi sua primazia, sua não-repetitividade. Este tipo de experiência (Erfahrung que significa pura experiência, ao contrário de Erlebnis que significa a experiência vivida) é que Gadamer chama de “experiência hermenêutica”. Em encontros hermenêuticos genuínos somos surpreeendidos e insatisfeitos de maneira única e irreverente. Expectativas são frustradas quando as “certezas” dos padrões normais diários confrontam o inesperado. A verdade, como Gadamer descreve, é da variedade hermenêutica com sua capacidade de surpreender e frustrar expectativas, ao invés de passivamente confirmá-las. A verdade é revelação, aquilo que se manifesta no encontro entre o familiar e o desconhecido.

[...] Para Gadamer, a experiência da verdade encontrada no novo - o inesperado, a novidade - está numa situação de tensão com aquilo que já foi entendido. É com o desejo de assimilar ou entender a novidade, de acordo com aquilo que já foi experienciado, que a verdade adota essa dimensão hermenêutica [...]. Muitas vezes temos a sensação de sermos surpreendidos por uma expressão apropriada, ou uma nova forma de expressar velhas verdades. Esta sensação de “eu nunca tinha visto por este prisma antes” [...]. Não importa quantas vezes uma poesia ou poema são lidos, eles sempre conseguem abrir novas linhas de questionamento, novas possibilidades. O texto escrito não muda, mas as possibilidades sim, isto é, [...] as verdadeiras possibilidades mudam, pois são infinitas.

Chris Lawn. Compreender Gadamer.
Tradução Hélio M. Filho. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. p. 86-87.

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