Escolhi a sombra de uma árvore para meditar
no muito que podia fazer enquanto te esperava
quem espera na pura esperança
vive um tempo de espera qualquer.
Por isso enquanto te espero
trabalharei nos campos e dialogarei com homens, mulheres e crianças
minhas mãos ficarão calosas
meus pés aprenderão os mistérios dos caminhos
meu corpo será queimado pelo sol
meus olhos verão o que nunca tinham visto
meus ouvidos escutarão ruídos antes despercebidos
na difusa sonoridade de cada dia.
Desconfiarei daqueles que venham me dizer
à sombra daquela árvore, prevenidos
que é perigoso esperar da forma que espero
que é perigoso caminhar
que é perigoso falar...
porque eles rechaçam a alegria de tua chegada.
Desconfiarei também daqueles que venham me dizer
à sombra desta árvore, que tu já chegaste
porque estes que te anunciam ingenuamente
antes te denunciavam.
Esperarei por ti como o jardineiro
que prepara o jardim para a rosa
que se abrirá na primavera
Paulo Freire.
Genebra, março de 1971.
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“Referia nela momentos de expectativa e de diálogo com homens, mulheres e crianças; também momentos de desconfiança para aqueles nos dizem que é perigoso caminhar, que é preciso falar e que é perigoso escutar, aqueles que antes nos denunciavam e agora ao engano nos anunciam. Termina o poema com um canto de esperança: Esperarei por ti como o jardineiro que prepara o jardim para a rosa florir na primavera [...]. é um canto ao óbvio, que tantas vezes tem sido negado – e continua a ser – pelos guardiões do sistema, aos quais perturba o sentido daquilo que é evidente a ação sincera de tantos seus caminhantes, como o foi Paulo Freire.” (Francisco Gutiérrez. A dimensão humana de Paulo Freire. In. Encontros com Paulo Freire.)
E “toda a boniteza da vida aparece na Canção Óbvia, de Paulo Freire”, publicada em Pedagogia da Indignação (2000 – obra póstuma).
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