Deonísio da Silva*
No húngaro, onde a palavra surgiu, era kocsi szekér, carro de Kócs, cidadezinha no Norte da Hungria, onde esses veículos foram fabricados pela primeira vez. Quando o filho de Matthias Corvinus (século 15), o mais popular dos reis húngaros, apelidado o Justo, casou-se com uma duquesa de Milão, a palavra espalhou-se por toda a Europa.
No alemão, foi escrito originalmente Kotsche, coche, carruagem, diligência (no alemão atual é Kutsche e deve ser escrito sempre com a inicial maiúscula por se tratar de substantivo). Dali foi para o holandês ets, para o polonês kocz etc. Espanhóis e portugueses escrevem coche, embora os primeiros pronunciem com um um “t” intermediário: “cotche”.
O veículo deu nome ao ofício
Foi mais ou menos o que ocorreu com a carruagem feita em Berlim, que os franceses escreveram berline, cujas vidraças laterais permitiam ver quais as pessoas que eram ali conduzidas, ensejando os comentários. Hoje, “estar na berlinda” é ser objeto de comentários.
Como sabem os que têm paixão pela viagem das palavras, seu berço oferece indícios de significados sempiternos, ou então efêmeros, passageiros, às vezes vindo a significar exatamente o contrário do que significaram na origem.
Na cultura inglesa, o treinador vinha para o campo de coach e o veículo que o transportava deu nome a seu ofício. No Brasil, entretanto, apesar de o futebol ter sido trazido pelo inglês Charles Miller, pouco a pouco as denominações foram adaptadas ou substituídas por genéricos do português.
O mais fácil na pronúncia
O goal keeper tornou-se goleiro apenas. Goal, meta, objetivo, tornou-se gol. Back virou beque e depois lateral, tomando o nome da área do campo onde atuava: lateral esquerdo, lateral direito, e mais recentemente os laterais passaram a ser designados alas. Nas primeiras transmissões dos jogos de futebol por rádio ainda eram ouvidos quíper, já aportuguesado, mas também “fau”, adaptação do inglês foul, falta.
O jogador de número 5, hoje designado volante, mas não exclusivamente, pois a mania da retranca faz com que os técnicos recuem também o meia-direita, número 8, ou o meia-esquerda, camisa 10, jogando com dois volantes, e o centroavante, camisa 9, teve na origem designações do inglês: center half e center forward. Mas por que volante para o número 5? Há uma lenda a conferir. Entre 1938 e 1943 teria jogado no Flamengo um argentino chamado Carlos Martin Volante. Ele exercia tão bem a função de marcar na intermediária que deu nome à posição.
O inglês football tornou-se futebol no Brasil, dito “futibol” na maioria das regiões, e futebol em outras. Ball tornou-se bola apenas. Juiz e árbitro ainda disputam a denominação, mas chamar “árbitro ladrão” é mais difícil do que “juiz ladrão”. A palavra juiz é mais comum, árbitro é mais rara e além do mais é proparoxítona e na língua portuguesa predominam as paraxítonas. Cavalo é mais fácil de dizer. Imagine xingar um zagueiro de “cávalo”. É como se, no calor dos trópicos, a indolência, a preguiça ou o simples cansaço fizessem com que buscássemos o mais fácil também na pronúncia.
*Deonísio da Silva, doutor em Letras pela USP, escritor e professor.
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