Páginas

6.11.10

O flagelo do vestibular

Luis Fernando Veríssimo
“[...]
É uma experiência que jamais vou ter, como a dor do parto. Mas isto não impede que todos os anos, por esta época, eu sofra com o padecimento de amigos que se submetem à terrível prova, ou até de estranhos que vejo pelos jornais chegando um minuto atrasados, tendo insolações e tonturas, roendo metade do lápis durante o exame e no fim olhando para o infinito com aquele ar de sobreviventes da Marcha da Morte de Batan. Enfim, os flagelados do unificado. Só lhes posso oferecer a minha simpatia. Como ofereci a uma conhecida nossa que este ano esteve no inferno.

— Calma, calma. Você pode parar de roer as unhas. O pior já passou.
— Não consigo. Vou levar duas semanas para me acalmar.
— Bom, então roa as suas próprias unhas. Essas são as minhas...
— Ah, desculpe. Foi terrível. A incerteza, as noites sem sono. Eu estava de um jeito que calmante me excitava. E quanto conseguia dormir, sonhava com escolhas múltiplas, a) fracasso, b) vexame, c) desilusão. E acordava gritando, nenhuma destas! nenhuma destas! Foi horrível.
— Só não compreendo porque você inventou de fazer vestibular a esta altura da vida...
— Mas quem é que fez vestibular? Foi meu filho! E o cretino está na praia enquanto eu fico aqui, à beira do colapso.

Mãe de vestibulando. Os casos mais dolorosos. O inconsciente do filho às vezes nem tá, diz pra coroa que cravou coluna do meio em tudo e está matematicamente garantido. E ela ali, desdobrando fila por fila do gabarito.

Não haveria um jeito mais humano de fazer a seleção para as universidades? Por exemplo, largar todos os candidatos no ponto mais remoto da floresta amazônica e os que voltassem à civilização estariam automaticamente classificados? Afinal, o Brasil precisa de desbravadores. E as mães dos reprovados, quando indagadas sobre a sorte do filho, poderiam enxugar uma lágrima e dizer com altivez:
— Ele foi um dos que não voltaram...
Em vez de:
— É um burro!

Os candidatos à Engenharia no Rio de Janeiro poderiam ser postos a trabalhar no Metrô dia e noite, quem pedisse água seria desclassificado. O Estado acabaria com poucos engenheiros novos — aliás, uma segurança para a população — mas as obras do Metrô progrediriam como nunca. Na direção errada, mas que diabo.

O certo é que do jeito que está não pode continuar. E ainda por cima, há os cursinhos pré-vestibulares. Em São Paulo os cursinhos estão usando helicópteros na guerra pela preferência dos vestibulandos que terão que repetir tudo no ano que vem. Daí para o napalm, o bombardeio estratégico, o desembarque anfíbio e, pior, uma visita do Kissinger para negociar a paz, é um pulo. Em São Paulo há cursinhos tão grandes que o professor, para se comunicar com as filas de trás, tem que usar o correio. Se todos os alunos de cursinhos no centro de São Paulo saíssem para a rua ao mesmo tempo, ia ter gente caindo no mar em Santos. O vestibular virou indústria. E os robôs que saem das usinas pré-vestibulares só tem dois movimentos: marcar cruzinha e rezar.

O filho da nossa nervosa amiga chegou em casa meio pessimista com uma das provas.
— Sei não. Acho que tubulei. O Inglês não estava mole.
— Mas meu filho, hoje não era inglês! Era Física e Matemática!
— Oba! Então acho que fui bem.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário