Nas poucas oportunidades que tive, em palestra e aula no mestrado, como um ouvinte atento-admirado, pude ver/conhecer o Professor Luis Alberto Warat. E, como era de se esperar, sua fala encantou-me e passei a visitar-ler-aprender-sensibilizar com seus livros.
Agora, nesse 16 de dezembro, li a triste nota do falecimento do Luis Alberto Warat
É difícil dizer algo... a não ser de que fica a certeza que permanecerá eterno todos seus pensamentos-ensinamentos compartilhados...
Com esse sentimento, minha lembrança-homenagem à memória do Prof. Warat é recordando alguns trechos de seus textos/livros que, entre tantos outros, estão sempre a me ensinar, encantar, sensibilizar, estimular...
Os Direitos Humanos também passam pelos desejos.
Dizia Clarice Lispector que o amor esta feito de infinitas paciências. Feito, acrescentaria eu, de infinitas incertezas, de um plural nada tedioso de afetos e desejos. Clarice reivindica, também, a necessidade muito feminina de eliminar nosso tripé, o pé que nós dá segurança, mas que nos imobiliza, e não nos deixa ir ao encontro da vida com os nossos próprios pés, que são os pés das incertezas e do amor. Assusta, mas é um medo que é preciso vencer para poder reatar nossos laços com a vida. Falarei, então, do amor. Falarei da importância do amor para as práticas políticas dos direitos humanos [...]. Prefiro deslocar a questão e falar do amor, para falar dos direitos humanos. Eles não são práticas e discursos de resistência à morte.
|Luis Alberto Warat. Introdução geral ao direito: O direito não estudado pela teoria jurídica moderna. 1997. p. 11|
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O amor tomado pelo amor
Antes de mais nada, o homem tem direito a uma possibilidade de vida melhor. Para isso, tem de ser garantido o direito à transferência de seus desejos. O direito ao amor é um valor existencial que mais preocupação deve despertar numa futura prática política dos direitos humanos. Eles, como suporte simbólico da democracia, têm que assumir “meu desejo do outro” como instância realizativa da solidariedade. A eficácia vital dos direitos do homem são indissociáveis de uma dimensão ética, que é da ordem da ligação amorosa do desenvolvimento da palavra.
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Amar é fazer representação do irrepresentável. Não é possível amar se não se conta com a possibilidade de reelaboração da fantasia. Não se pode esquecer de Freud que vê a fantasia como transformadora da realidade, a ponte que permite o passo do desejo à realidade. Por isso, o amor demanda uma intricada alquimia que não deixa a fantasia perder-se em seu secreto sonho de perfeição.
|Luis Alberto Warat. Territórios desconhecidos. 2004. p. 324;327|
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Incidentes de ternura
Provocado e estremecido com as incertezas da escrita, manifesto meu brumoso desejo de elaborar alguns curtos fragmentos sobre as condições possíveis de um ensino jurídico como prática preventiva dos processos de pós-alienação. O que se segue depende da idéia de haver uma ligação fundamental entre o ensino jurídico e as dimensões simbólicas dos Direitos Humanos.
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O ensino do Direito tem que se reconhecer comprometido com as transformações da linguagem, aceitar-se como prática genuinamente transgressora da discursividade instituída, como exercício de resistência a todas as formas de violência simbólica, isto é, como uma prática política dos direitos do homem à sua própria existência. E, para isso, o ensino jurídico tem que começar a transgredir o discurso de seus sonhos fracassados.
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O ensino do Direito pode proteger-nos contra estas formas patológicas de humanidade que ameaçam instalar-se como um fascinante projeto de existência. Entrevejo essa possibilidade mirando-o como um prática de inscrição nas dimensões simbólicas dos Direitos Humanos e da democracia. Trata-se de pôr em circulação uma cumplicidade de linguagem, um deslize do imaginário que permita algumas pequenas recusas da grande chantagem educativa do ensino do Direito. Uma das coisas que se pode esperar do ensino jurídico, despojando das estratégicas alucinantes dos saberes da lei, é a de poder contribuir para formação de personalidades visceralmente comprometidas com duas dimensões éticas fundamentais: a dignidade e a solidariedade. Sem estes dois valores, nunca poderemos gerar uma sociedade melhor.
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A solidariedade é uma forma fundamental de reclamo. Ela nos coloca diante do conteúdo mais nobre de nosso compromisso com os socialmente excluídos e os existencialmente desaparecidos. A solidariedade representa um estar junto dos oprimidos, participando comprometidamente em suas lutas transgressoras. Muitas vezes se tem confundido a solidariedade com a caridade e com o paternalismo: duas formas aristocráticas de tomar distância dos conflitos e impedir sua resolução. A solidariedade é uma forma do sair do narcisismo, aceitando que o outro existe. A solidariedade é a forma do amor.
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A dignidade se recupera unicamente pela autonomia. A dignidade é nossa possibilidade de extrair, solidariamente, o amor da vida. Viramos indignos se deixamos que nos roubem essa possibilidade. Também perdemos a dignidade entrando no desassossego, negando-nos a fazer, de uma falência ou de um atropelo, uma vitória.
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Mas vejo também que o homem muitas vezes foge de sua dignidade, aceitando os atropelos, as agressões dos poderes a sua autonomia. O homem perde sua dignidade quando não sabe dizer não para defender a sua liberdade no trabalho, no amor, na procura de nossas verdades ou na preservação ecológica do mundo. Devemos admitir que nos tempos atuais a dignidade é subversiva: convoca para um tipo melhor de sociedade onde, entre todos, possamos conseguir nosso respeitos, impedindo as modalidades da dominação econômica, política, cultural e militar. A democracia é a luta permanente e renovada pela dignidade: um ato coletivo da sociedade que permite lutar pela dignidade dos outros, reconhecendo que suas vidas não são inúteis e que não podem ser iguais a nossa. Ver, sentir, lembrar que a dignidade do outro se preserva respeitando suas diferenças.
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Razões pelas quais penso que o ensino jurídico, como prática produtora de dimensões comprometidas com os direitos do homem, tem que responder pela formação de uma pedagogia da dignidade e da solidariedade social.
|Luis Alberto Warat. Epistemologia e ensino do direito: o sonho acabou. 2004. p. 373-390|
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