Por meio de habeas corpus* impetrado pelos advogados da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e do Setor de Direitos Humanos do MST, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por unanimidade, determinou o trancamento do processo crime instaurado na Comarca de Lençóis Paulista/SP contra todos os trabalhadores rurais sem terra acusados da prática de crimes durante a ocupação da Fazenda Santo Henrique – Sucocitrico-Cutrale – entre 28/9 e 7/10/2009.
Os trabalhadores tiveram prisão temporária decretada, que foi posteriormente convertida em prisão preventiva. Os decretos de prisões foram revogados em fevereiro de 2010, por meio de decisão liminar, concedida pelo Desembargador Relator Luiz Pantaleão, mas, a decisão final no habeas corpus, aguardava, desde então, voto vista do Desembargador Luiz Antonio Cardoso.
Para firmarem as revogações das prisões preventivas, os Desembargadores além de entenderem que a Magistrada de primeiro grau deixou de indicar os indícios de autoria em relação a cada um dos acusados, declararam inexistir ocorrências dando conta de que os trabalhadores tenham subvertido a ordem pública.
Por outro lado, determinou-se o trancamento do processo crime sob entendimento de que o Promotor de Justiça, em sua denúncia, não descreveu “referentemente a cada um dos co-réus, os fatos com todas as suas circunstâncias” como lhe é exigido pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, de forma que: Imputa-se a todos a prática das condutas nucleares dos tipos mencionados. Em outras palavras, plasmaram-se imputações em blocos, o que implicaria correlativamente absolvição ou condenação também coletiva. Isso é impossível. Imprescindível que se defina qual a conduta imputada a cada um dos acusados. Só assim, no âmbito do devido processo legal, cada réu poderá exercer, à luz do contraditório, o direito de ampla defesa. (...) Imputações coletivas, sem especificação individualizada dos modos de concorrência para cada episódio, e flagrante contradição geram inépcia que deve ser reconhecida. O prosseguimento nos termos em que proposta a ação acabaria, desde que a apuração prévia deve ser feita no inquérito, não, na fase instrutória, por levar aos Órgãos jurisdicionais do primeiro e segundo grau, um verdadeiro enigma a ser desvendado com o desprestígio do contraditório e da ampla defesa, garantias constitucionais inafastáveis.
A decisão do Tribunal de Justiça representa importante precedente jurisprudencial contra reiteradas ilegalidades perpetradas contra a luta dos trabalhadores rurais sem terra, contra o ordenamento processual penal, e, sobretudo, contra as garantias constitucionais vigentes. Esperamos que esta decisão se torne cotidiana, para fazer prevalecer o senso de justiça em oposição aos interesses do agronegócio, do latifúndio e dos empresários contrários ao desenvolvimento da reforma agrária que, naquela oportunidade, louvaram os ilegais decretos de prisão contra os trabalhadores.
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
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*Referencias: HC/TJSP nº 0056005-96.2010.8.26.0000 (0056005-96.2010.8.26.0000), acórdão registrado sob nº 0003371739, TJSP
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Por esta nota emitida pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, já é possivel reconhecer a relevância social e a sensatez teórico-legal dos termos desse Habeas Corpus - que, inclusive, deveria ser objeto de estudo em qualquer aula boa de direitos e garantias fundamentais, assim como de teoria geral do delito, no mínimo.
Enfim, vale destacar mais alguns trechos acertados desse HC:
[...] Instaurou-se inquérito policial, ao que consta, para apurar eventual prática de furto qualificado, quadrilha, dano e usurpação. [...]
A douta Procuradoria Geral de Justiça, qualificando os pacientes de terroristas, vislumbrou a aplicação da Lei n° 7.170/83, cujos arts. 22 e 23 teriam sido infringidos. Data máxima venia, não se trata, ainda que em tese, de Crimes contra a Segurança Nacional. Haja vista os bens jurídicos indicados no art. 1° do mencionado Diploma. Aliás, se de tais crimes se cogitasse, a competência para processamento e julgamento nem seria da Justiça Estadual comum (art. 30 da Lei n° 7.170/83).
Aduziu a douta Procuradoria Geral de Justiça, o que segue: "Embora parte da população e de autoridades brasileiras esteja equivocada em termos de justiça e comportamento, ainda há uma parcela que resiste ao império do caos, da desordem e do pouco caso (por que esperarmos pela revolta civil?). Destarte, por muito menos há um governador preso preventivamente." (fls. 251/252).
Depois da consideração, do juízo de valor, e do presságio, o parecer assenta: "E, como dito nos anos 60, por um futuro presidente da Suprema Corte Americana, 'o Judiciário não pode mimar os criminosos'." (fls. 252). Aqui, os pacientes são considerados criminosos, embora exista a constitucional presunção de inocência até o trânsito em julgado de sentença condenatória. Impossível, no vigente ordenamento jurídico, considerar antecipadamente condenados os pacientes. Os Órgãos do Poder Judiciário, na aplicação rigorosa da lei, não prescindem da prudência e da serenidade compatíveis com as expectativas de justiça nos lindes inafastáveis do devido processo legal.
Não pode, portanto, subsistir o decreto de encarceramento provisório dos pacientes.[...]
Pelo exposto, concede-se a ordem para revogar a prisão preventiva dos pacientes; e, de ofício, concede-se-a também para, declarada a inépcia da denúncia, anular o processo desde o início, ressalvado o direito de ser oferecida nova peça vestibular que preencha, e sem contradição qualquer, todos os requisitos legais [...].” Luiz Pantaleão, Relator
Para ler/estudar integralmente o acórdão do HC, acesse TJSP - Consulta de Jurisprudência do Segundo Grau
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