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3.3.11

“45 doutores disputam vaga de gari no RJ. Por quê?”


No edital a escolaridade exigida foi esta: “Ensino Fundamental Incompleto — ter concluído as 4 (quatro) primeiras séries do Ensino Fundamental, antigo primário”. Inscreveram-se 109.193 candidatos para 1.400 vagas. Entre os inscritos havia 45 doutores, 22 mestres, chegando a 80 o número de pós-graduados. Pois é: 45 doutores, 22 mestres, 80 pós-graduados concorrendo a uma vaga de gari no Rio de Janeiro para garantir um salário mínimo. O assunto foi tema de matéria publicada na imprensa em 21 de outubro de 2009 (Concurso para gari no Rio registra 45 inscrições de candidatos com doutorado)
[...]

Lula não agiu mal quando incentivou a expansão do ensino superior, permitindo que a classe média baixa tivesse acesso à formação universitária. Mas isso foi feito como um mimo, um “brinco”, um agrado. É como se todos pudessem agora ter o seu diploma de graduação. Mas esse título, ainda mais com o fim do benefício da prisão especial, permanece só um título, porque o mercado de trabalho continua estreito como sempre, e os novos formados têm na maioria poucas chances. Os salários, além disso, tendem a cair com a inflação de títulos. [...]. Penso que quanto mais educação melhor. Um Brasil em que muitos possuam um diploma universitário pode surpreender gerando novas e interessantes tensões. E uma multidão de doutores sem colocação, claro que vai deflagrar confrontos que já deveriam estar na ordem do dia.

Em relação às pós-graduações, os problemas são similares. As faculdades privadas não são obrigadas a contratar um quadro de mestres e doutores como seria necessário para garantir uma formação de qualidade para seus estudantes. As próprias universidades e faculdades particulares, pela força que têm dentro do Conselho Nacional de Educação (CNE), impõem uma legislação que as exime dessa obrigação que seria o mínimo aceitável pelo bom senso. Assim, as universidades federais, principalmente as federais, lançam no mercado carradas de mestres e doutores que não são absorvidos. E vão parar, literalmente, nos concursos para gari. As faculdades privadas não precisam deles, e não os querem, porque seus salários seriam onerosos. E elas reúnem hoje 90% das matrículas no ensino superior.

Isso ajuda a explicar um paradoxo bem interessante que está na matéria citada. De fato, o número de doutores inscritos (45) foi o dobro do de mestres (22). Como compreender isso, se a verdade é que o número de mestres no mercado é muito maior que a de doutores? Seria mais conforme se fosse o contrário: 22 doutores e 45 mestres. Mas não é assim. O número esmagador é de doutores. O que explica isso? Por que justamente gente com títulos mais altos e mais classudos optaram pelo concurso? A explicação pode ser fácil.

Depois de inúmeras decepções, cansados de aguardar por um emprego à altura, alguns desgarrados da vasta legião de doutores sem ocupação fixa do Rio de Janeiro optaram por essa via extrema. Doutores entre 30 e 40 anos, com responsabilidades com uma família, veteranos das frustrações no mercado de trabalho, premidos pela urgência, descobrem que não tem escolha. Já os mestres, mais jovens, muitas vezes aspirantes a um doutorado, acreditam ainda que se chegarem lá as portas se abrirão para eles. Ao menos, a porta de uma bolsa de doutorado do CNPq ou da Capes. Eles ainda têm muitas ilusões para perder. O desespero dos intelectuais com doutorado que se lançam ao concurso pode bem ser avaliado pelas regras do edital.

As provas são físicas e muito puxadas. Ora, o doutor sabe exatamente ao que está se arriscando, porque sua formação permite que leia e compreenda perfeitamente as regras do edital. E lá fica claro que seu título não valerá de absolutamente nada para a sua aprovação. E a sua condição física, apurada em muitas horas de leituras, muito menos.

O edital do concurso para gari, bem maior e mais detalhado do que os que encontramos para concursos de professor universitário, tem 24 páginas. As provas, em duas etapas, contemplam exclusivamente aptidões físicas. Ai se vê a dureza da situação. A leitura do edital não deixa dúvidas quanto à primazia dessas aptidões. A primeira etapa, eliminatória e classificatória, é "composta de Teste Dinâmico de Barra Fixa, para os candidatos de sexo masculino e Teste Estático de Barra Fixa, para os candidatos de sexo feminino". A segunda etapa da prova, também de testes físicos eliminatórios, é muito pior: abdominais, flexões e 12 minutos de corrida. O doutor entra nessa disputa flertando com a morte súbita. Não deixa de ser uma tentativa de suicídio.

Esse é o drama. Nisso é que se revela mais assustadoramente o caminho da educação superior no Brasil hoje. O mercado que deveria ser constituído, principalmente, de instituições universitárias contratando doutores e mestres, não existe. Mas como não existe?! Não tivemos a maior expansão do ensino universitário da história do Brasil? Sim, mas nada disso tem qualquer valor para o assunto. As faculdades privadas mandam. E decidiram que não precisam de mestres e doutores. E, aliás, se tornaram um negócio de certo modo mais rural do que educacional. Outro dia estavam à venda duas faculdades privadas no Espírito Santo no regime porteira fechada: alunos, professores, carteiras, bibliotecas, etc.
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Bajonas Teixeira de Brito Junior, doutor em Filosofia, autor do ensaio, traduzido pelo filósofo francês Michael Soubbotnik, Aspects historiques et logiques de la classification raciale au Brésil (Cf. na internet), e do livro Lógica do disparate.

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