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4.4.11

Brasil em direitos humanos: “De um a dez? Um. Somos um país homofóbico, racista.”

A advogada Margarida Pressburger, 67 anos, há um mês assumiu, em Genebra, uma vaga no Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT), da Organização das Nações Unidas (ONU). É a primeira vez que o Brasil integra este Subcomitê. Criado em 2002 para fiscalizar presídios e outras instituições de privação de liberdade suspeitas de práticas de tortura e maus tratos, o SPT-ONU também denuncia a aplicação de penas cruéis ou degradantes.

Em entrevista concedida à jornalista Luciana Nunes Leal, do jornal O Estado de S.Paulo, ao ser indagada sobre a nota do Brasil em direitos humanos, Margarida Pressburger foi curta e direta: De um a dez? Um. Somos um país homofóbico, racista.

Vale destacar outros trechos desta entrevista:

Qual será sua primeira missão como integrante do Subcomitê de Prevenção da Tortura?
Pressburger: Estou indo para a Ucrânia no dia 14 de maio. Lá vamos fazer inspeções e visitas a locais de privação de liberdade. Este ano três países serão visitados: Ucrânia, Mali e Brasil. No Brasil eu não me envolvo. Os três países sabem, não é mistério. O mistério é só sobre as datas, que são mantidas por enquanto em sigilo, com exceção da Ucrânia, que já foi comunicada. [...]

Qual o significado da posição do Brasil de aprovar uma investigação sobre violação de direitos humanos no Irã?
Pressburger: O rumo mudou, isso deu para perceber no primeiro dia do governo Dilma, que, ao contrário do que alguns pregavam, não é a continuação do governo Lula. Vai ser o governo Dilma, vai deixar a marca dela. E Dilma, ainda mais por ter sido uma ativista política, uma "subversiva" que sofreu os piores tipos de tortura imagináveis, não vai ter aquele jogo de cintura que o Lula teve.

Na sua avaliação, Lula teve jogo de cintura em excesso?
Pressburger: Lula para mim é um grande estadista. Tem aquela história de querer ficar bem com todo mundo. Até mesmo a visita, o beija-mão com Ahmadinejad, não é a característica de Dilma e ela mostrou isso na semana passada. O Lula era um pouquinho fanfarrão. Largava os assuntos mais sérios nas mãos de assessores, inclusive a Dilma.

A sra. acha que o ex-presidente foi muito permissivo em relação a direitos humanos?
Pressburger: Não tenho a menor dúvida de que o presidente jogou o Brasil no panorama mundial. É a personalidade dele. Ele achava que estava trabalhando em cima de direitos humanos. Teve um grande ministro, Paulo Vannuchi, que só não fez mais porque tolheram. O Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) é uma obra-prima, pela forma como foi originalmente redigido. Vannuchi sofreu pressão de todos os lados, da Igreja à bancada retrógrada do Congresso. Teve de alterar a questão do aborto, voltar um pouco atrás na Comissão da Verdade. Acho que agora a Dilma vai recuperar esse tempo.

A senhora defende a punição dos responsáveis por torturas no regime militar?
Pressburger: O Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei da Anistia era bilateral. Então, não vejo como possa surgir punição, infelizmente. A Argentina tem 486 torturadores presos e recentemente prendeu um ancião. Não é porque é um velhinho ou uma velhinha que ficou bonzinho. Entendo que tortura é crime inafiançável. Meu irmão foi barbaramente torturado. O Lula não foi torturado, não teve parentes torturados. Ele sentiu a ditadura, foi perseguido, mas nunca foi torturado. Com a Dilma doeu e doeu muito. Mesmo que os torturadores não possam ser condenados, as famílias têm direito. Eu tenho direito de saber quem fez isso com meu irmão.

A senhora tem orientação do governo para a atuação na ONU?
Pressburger: Não, minha atuação é totalmente independente. Sou representante do Brasil, não do governo. No subcomitê, posso até desagradar à presidente Dilma, à ministra Maria do Rosário (da Secretaria Especial de Direitos Humanos). [...]

Em relação aos direitos humanos, em que patamar o Brasil está?
Pressburger: De um a dez? Um. Somos um país homofóbico, racista. Enquanto você não tiver a mentalidade de colocar nas escolas aulas de não discriminação... Direitos humanos têm de ser ensinados no jardim de infância. Ainda temos um chão muito grande para andar.

A íntegra da entrevista, publicada em 3-4-2011, está disponível em Estadão.com.br

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