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14.5.11

Drummond: “esta mata em redor é nossa companheira”


Sem o lirismo das orquídeas,
Sem o charme decorativo das samambaias,
Nua de liquens e bromélias no litoral,
A mata de Caratinga, protegida dos ventos,
Espera de nós
A proteção maior contra o machado,
A serra mecânica, o fogo.

De cada cem árvores antigas
Restam cinco testemunhas acusando
O inflexível carrasco secular.
Restam cinco, não mais. Resta o fantasma
Da orgulhosa floresta primitiva.

Na mata de Caratinga
Tem paca, tem capivara,
Tem anta e mais jacutinga,
Tem silêncio, tem arara,
E nas ramarias densas

De suas copas imensas,
Paira um segredo mineiro
Que dura um século inteiro...

Uma espuma de azul bóia nas névoas da altura,
Um resto de sonho perdura na resina dos caules.
Manhã-quase-manhã, a terra acorda
Do seu sono de perfume e lianas.

No esforço de fugir à mata obscura,
Bromélias em família buscam luz
E em suas folhas uma gota d’água,
Puro diamante líquido, reluz.

Do japuaçu
No alto da embaúba
Me deixa intrigado.
Ele ri de quê?
Da mão que derruba
Seu ninho cuidado?
Vou adivinhar:
Se a ave ri, coitada.
É que, por destino,
Não sabe chorar

A água serpeia entre musgos seculares.
Leva um recado de existência a homens surdos
E vai passando, vai dizendo
Que esta mata em redor é nossa companheira,
É pedaço de nós florecendo no chão.

Que rumor é esse na mata?
Por que se alarma a natureza?
Ai... é a moto-serra que mata,
Cortante, oxigênio e beleza.

Não, não haverá para os ecossistemas aniquilados
Dia seguinte.
O ranúnculo da esperança não brota
No dia seguinte.
O vazio da noite, o vazio de tudo
Será o dia seguinte.

(Carlos Drummond de Andrade)

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