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16.6.11

STF: marcha da maconha – tá liberada!

No dia 15 de junho de 2011, em decisão unânime (8 votos), o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a realização dos eventos chamados “marcha da maconha”, que reúnem manifestantes favoráveis à descriminalização/legalização da droga. Para a Corte, os direitos constitucionais de reunião e de livre expressão do pensamento garantem a realização de tais manifestações, devendo ser afastada qualquer interpretação que leve à criminalizar essas marchas.

Este julgamento ocorreu a partir da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 187), proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que contestava decisões judiciais que tinham proibido a “marcha da maconha”, empregando o equivocado argumento de que a defesa dessa ideia constituiria apologia de crime, conforme interpretação do artigo 287 do Código Penal (dispositivo que tipifica como crime fazer apologia de “fato criminoso” ou de “autor do crime”). Agora, pela decisão tomada pelo STF, o artigo em questão deve ser interpretado conforme a Constituição de forma a não impedir manifestações públicas em defesa da legalização de drogas.

Deborah Duprat: proibição de marcha da maconha é antítese da democracia
A ADPF 187 foi proposta pela vice-procuradora-geral Deborah Duprat em junho de 2009, quando ela respondia interinamente pela instituição – antes da posse de Roberto Gurgel. Ela participou e falou na abertura do julgamento da ação.

Para Deborah Duprat, o argumento central dessa ação foi a defesa da liberdade de expressão. Ingressando no terreno da filosofia, ela disse que a linguagem é hoje a preocupação central da filosofia contemporânea, já que a inserção dos indivíduos numa comunidade de falantes é parte constitutiva da própria identidade e por causa do chamado giro linguístico, que desloca a produção do conhecimento da consciência apriorística do sujeito para as relações intersubjetivas mediadas pela linguagem.

Para ela, isso vai ser incorporado pela Constituição de 1988 sob dupla perspectiva: a primeira é a possibilidade de cada indivíduo desenvolver plenamente a sua personalidade e a segunda de ter condições de se auto-determinar a partir do conhecimento que vai adquirindo nas suas relações no seio dessa coletividade. “Essas duas perspectivas, mais do que imanação, são a própria expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, então qualquer forma de censura sobre o conteúdo da fala e do que se expressa é uma grave violação a esse princípio central da nossa ordem constitucional”, disse.

Deborah Duprat citou a perspectiva instrumental da liberdade de expressão enquanto instrumento para promoção de outros valores contidos na ordem constitucional. Conforme explicou, talvez o principal valor que ela promova seja exatamente a democracia. “É pelo intercâmbio de ideias que se vai permitir ao Estado a formulação das políticas públicas, cabe portanto ao Estado garantir esse ambiente deliberativo plural”, disse. Para ela, não cabe ao Estado fazer qualquer juízo de valor sobre a opinião de quem quer que seja. “Se permitíssemos isso, permitiríamos ao Estado que proibisse a manifestação da minoria, o que é a antítese da democracia.”

A vice-procuradora-geral lembrou ainda a ideia hoje amplamente desenvolvida de que a liberdade de expressão ocupa posição privilegiada em toda e qualquer ordem constitucional. “Isso não significa que a liberdade de expressão tenha valor absoluto, mas que para restringi-la tem que haver um ônus argumentativo muito forte.” Ela afirmou que as decisões para impedir a marcha da maconha ostentam o mesmo fundamento: reconhecer que há sim interesse primário legítimo, mas um efeito secundário deletério e que constitui ao ver desses juízes apologia ao uso de substância entorpecente.

Ela também refutou o argumento de que, na verdade, a marcha da maconha é um pretexto para o consumo coletivo de substâncias entorpecentes. “Aqueles que assim o pensam estão rigorosamente exercendo uma espécie de censura prévia, porque estão supondo um fato que, se de fato ocorrer, deve ser reprimido, mas que não pode ser presumido para impedir uma manifestação que se apresenta como de pensamento, de convicção ideológica”, concluiu. |PGR|

Voto do ministro Celso de Mello
A ação teve como relator o decano da Corte, ministro Celso de Mello. E seu voto foi seguido integralmente pelos colegas. Segundo ele, a “marcha da maconha” é um movimento social espontâneo que reivindica, por meio da livre manifestação do pensamento, “a possibilidade da discussão democrática do modelo proibicionista (do consumo de drogas) e dos efeitos que (esse modelo) produziu em termos de incremento da violência”.

Além disso, o ministro considerou que o evento possui caráter nitidamente cultural, já que nele são realizadas atividades musicais, teatrais e performáticas, e cria espaço para o debate do tema por meio de palestras, seminários e exibições de documentários relacionados às políticas públicas ligadas às drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas.

Celso de Mello explicou que a mera proposta de descriminalização de determinado ilícito penal não se confunde com o ato de incitação à prática do delito nem com o de apologia de fato criminoso. “O debate sobre abolição penal de determinadas condutas puníveis pode ser realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ainda que a ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada estranha, extravagante, inaceitável ou perigosa”, ponderou. Conferir a íntegra do relatório e do voto do ministro Celso de Mello

O voto do relator foi acompanhado por todos os oito ministros (Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Ellen Gracie, Marco Aurélio e o presidente da Corte Cezar Peluso) que estavam no plenário do STF; ficando acolhida, por unanimidade de votos, com efeito vinculante, que as “marchas da maconha” não constituem apologia ao crime, mas sim liberdade de expressão e de reunião, bem como o direito à livre manifestação do pensamento, princípios fundamentais garantidos pela Constituição de 1988.
Fontes: STF | PGR
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