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1.11.11

Novembrada de 1979

Entre os importantes levantes populares da história da ditadura militar no Brasil, um ocorreu em Florianópolis, no dia 30 de novembro de 1979, ficando conhecido como a Novembrada. Costuma-se dizer que neste dia, dois chefes de regimes autoritários de épocas diferentes foram desafiados pelo povo da Ilha de Santa Catarina.

Para se narrar sobre esse episódio, em geral, toma-se como ponto de partida visita a Florianópolis do então presidente General João Figueiredo para, entre outras atividades, descerrar uma placa de bronze em homenagem ao marechal Floriano Peixoto, na Praça XV de Novembro, no centro da cidade. Este fato teria sido o estopim da revolta, tendo a frente o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina que organizou uma manifestação contra o regime militar, e a manifestação acabou ganhando força e destaque por causa da indignação causada pelo monumento em homenagem ao ditador da revolução federalista.

Mas para entender melhor o levante da Praça 15 de novembro, conhecido como Novembrada, é preciso voltar um pouco mais na história. Como se explica resumidamente:

Em 1894, a cidade fundada na Ilha de Santa Catarina recebeu o nome de Nossa Senhora do Desterro (ou apenas Desterro), em lembrança dos colonizadores portugueses mandados à força para cá. A Proclamação da República, através de um golpe militar fez ascender ao poder o marechal Deodoro da Fonseca como primeiro presidente do Brasil. Outro golpe, em 1891, faz chegar ao poder o marechal Floriano Peixoto, chamado de “marechal de ferro”. Isso deu origem a várias revoltas pelo país, entre as quais a da Revolução Federalista, em Desterro.

Moreira Cesar, do Rio de Janeiro, foi designado por Floriano Peixoto para pôr fim à revolta em Desterro. A partir daí, foram perseguidos de foram implacável os opositores do marechal Floriano Peixoto, dos quais, entre civis e militares, quase duzentos foram fuzilados. Como se já não bastasse a repressão e o fuzilamento, a população ainda foi humilhada ao ter o nome da cidade mudado para Florianópolis (ou “cidade de Floriano”), em homenagem ao seu algoz.

Recordado e entendido isso, volta-se para o contexto histórico da novembrada:

Em 1979, uma placa de bronze em homenagem ao marechal Floriano Peixoto havia sido enviada pelo presidente João Figueiredo ao governador Jorge Bornhausen uma semana antes de sua visita a Florianópolis. O oligarca Bornhausen era o “governador biônico” de Santa Catarina, homem de confiança e pilar da ditadura no estado, tendo ao seu lado Esperidião Amim, Secretário dos Transportes.

Em frente ao Palácio do Governador (atual Museu Cruz e Souza), na Praça XV, era onde estava e se pretendia descerrar a dita placa. Esta era uma forma de querer tornar mais popular o governo pouco popular de Figueiredo. Mas faltava combinar com a população.

Fazem parte desse período também o início de um processo de aberturas democráticas, que iam desde o fim do bi-partidarismo até a anistia ao perseguidos políticos. No centro disso, porém, estava uma profunda crise econômica e o esgotamento do modelo da ditadura diretamente controlado pelo imperialismo, mais precisamente pelos Estados Unidos (e suas empresas). A visita de Figueiredo, nesse sentido, buscava mostrar a imagem de um presidente que priorizava maior contato com a população, e mostrar que o regime estava mudando. João, o presidente da conciliação, era o slogan do governo. Isso, todavia, não conseguiu convencer muita gente.

Em Florianópolis, a informação sobre a placa provocou grande revolta desde o início. Partiu do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFSC a iniciativa de mobilizar os estudantes da universidade, tendo sido realizada uma reunião na véspera da visita do presidente, de onde se organizou um pequeno ato e se elaborou o seguinte texto para um panfleto:

“Hoje, após 15 anos de repressão, o governo nos presenteia com a visita de seu chefe, o general João Batista Figueiredo. Nesses anos todos, o povo pagou com suor as mordomias dos caciques governamentais. Pagou com seu suor quando viu a inflação cada vez mais alta e seu salário cada vez mais baixo. Paga com seu suor quando o preço dos gêneros alimentícios aumenta a níveis exorbitantes, fazendo com que as famílias possam apenas sonhar com a comida que os homens do governo esbanjam. Por isso, devemos deixar claro que, por mais que seja a campanha publicitária que o governo faça para mudar sua fachada, não vai conseguir enganar o povo. Quando o general João afaga com sua mão a cabeça de uma criança, esconde a outra mão que sustenta o fato de hoje existirem milhares e milhares de crianças brasileiras abandonadas e famintas. Apesar do general João achar que seu problema não é o povo e sim a nação ele se esquece que cada aumento de gasolina afeta diretamente os trabalhadores que dependem do transporte como meio de vida. Quem viaja de avião a jato e passeia de galaxie (às custas do povo) nunca vai se preocupar com o aumento da gasolina. Igualmente, quem está habituado a receber banquetes de 6 mil talheres, 3 mil quilos de carne, 6 mil litros de chopp (também às custas do povo) pouco está se importando com o preço de um prato de comida. O povo não se engana mais. Exige melhores condições de vida.”

No dia 29 de novembro, a placa em homenagem a Floriano Peixoto foi colocada na Praça XV, para ser inaugurada no dia seguinte pelo presidente. No dia 30 pela manhã, Figueiredo desembarcou no Aeroporto Hercílio Luz. Era uma sexta-feira, “ponto facultativo”. Crianças e adolescentes de escolas públicas foram obrigados a saudar o presidente, quando de sua passagem pelas ruas, acenando com pequenas bandeiras do Brasil e de Santa Catarina. A saudação mais marcante, todavia, não foi por parte das crianças. Quando o presidente passava em carro oficial pela Costeira, no caminho para o Palácio do Governo, o general foi recebido com vaias por centenas de donas de casa, que batiam em panelas vazias, como a querer mostrar ao presidente que não tinham o que comer.

Na praça XV, tendo o presidente chegado ao Palácio no Governo, após um início calmo, se fez um grande tumulto. Estudantes da UFSC entregavam o panfletos, corriam da polícia, chamavam palavras-de-ordem. Familiares das vítimas de Anhatomirim, indignados também, dirigiram-se ao local. Taxistas, o quais até hoje tem um posto em frente ao Palácio, estavam também indignados com o aumento dos combustíveis. Não demorou muito para que uma multidão revoltosa começasse a enfrentar a polícia, ainda que os membros do DCE tentassem organizar e acalmar a multidão. Depois disso, na praça XV, o símbolo da vitória popular: a famigerada placa colocada na praça foi arrancada pela multidão e destruída.

A Novembrada deixou inúmeras pessoas feridas. Sete estudantes universitários foram presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional. O material da TV Cultura, que fazia a cobertura, foi apreendido. Porém, a repercussão política que teve fez com que revoltas semelhantes ocorressem em outros lugares do país, rumo ao movimento que ficou conhecido como Diretas Já. A revolta em Florianópolis havia derrotado Figueiredo, sua estratégia de fazer um governo populista e os planos da ditadura para tornar seu regime mais “agradável”.

Essa lição das ruas de Florianópolis, conhecida como Novembrada de 1979, junto com a das greves operários no ABC paulista, mostravam que a ditadura não deveria ser melhorada, mas sim derrotada.

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