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16.11.11

Saramago: Ouvindo Beethoven


Venham leis e homens de balanças, 
Mandamentos daquém e dalém mundo, 
Venham ordens, decretos e vinganças, 
Desça o juiz em nós até ao fundo.

Nos cruzamentos todos da cidade, 
Brilhe, vermelha, a luz inquisidora, 
Risquem no chão os dentes da vaidade 
E mandem que os lavemos a vassoura.

A quantas mãos existam, peçam dedos, 
Para sujar nas fichas dos arquivos, 
Não respeitem mistérios nem segredos, 
Que é natural nos homens serem esquivos.

Ponham livros de ponto em toda a parte, 
Relógios a marcar a hora exacta, 
Não aceitem nem votem outra arte 
Que a prosa de registo, o verso data.

Mas quando nos julgarem bem seguros, 
Cercados de bastões e fortalezas, 
Hão-de cair em estrondo os altos muros 
E chegará o dia das surpresas.

José Saramago

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