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29.3.12

O Sono das Águas

Há uma hora certa, 
no meio da noite, 
uma hora morta, 
em que a água dorme. 
Todas as águas dormem: 
no rio, 
na lagoa, 
no açude, 
no brejão, 
nos olhos d’água, 
nos grotões fundos.

E quem ficar acordado, 
na barranca, 
a noite inteira, 
há de ouvir a cachoeira 
parar a queda e o choro, 
que a água foi dormir…

Águas claras, 
águas barrentas, 
sonolentas, 
todas vão cochilar.

Dormem gotas, 
caudais, 
seivas das plantas, 
fios brancos, 
torrentes. 
O orvalho sonha nas placas das folhagens 
e adormece.

Até a água fervida, 
nos copos de cabeceira dos agonizantes…

Mas nem todas dormem, 
nessa hora de torpor líquido e inocente.

Muitos hão de estar vigiando, 
e chorando, a noite toda, 
porque a água dos olhos 
Essa… nunca tem sono…

João Guimarães Rosa