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3.3.12

A solução é a “economia verde”?

A solução para a grave crise ambiental que estamos vivendo não é, pois, a colocação de preço nos bens naturais e nos  “serviços ambientais”. É a preservação dos bens e dos processos naturais como bens comuns, como bens de todos, de toda a humanidade. Nós não precisamos de uma  “economia verde”: nós precisamos de uma outra economia, nós precisamos de um outro desenvolvimento, escreve Ivo Lesbaupin, ao criticar o fato do documento-base (rascunho zero), produzido pela ONU para a Rio+20, propor a “economia verde” como solução para os nossos graves problemas ambientais.

Transcrevo abaixo a parte final deste artigo de Ivo Lesbaupin(*), publicado integralmente no sítio do Iser Assessoria:

A “economia verde” propõe a redução da utilização do petróleo, do gás e do carvão nos próximos anos? A “economia verde” propõe a progressiva mudança da matriz energética do mundo, para passarmos dos combustíveis fósseis às energias renováveis (solar, eólica, geotérmica, etc.)?

Não.

Então, a “economia verde” não pretende atacar a principal causa do aquecimento global e, consequentemente, não pretende atacar a principal causa das dramáticas mudanças climáticas que a humanidade está sofrendo.

A “economia verde” pretende superar o modelo produtivista-consumista, fonte da destruição acelerada dos nossos bens naturais e do aquecimento global?

Não.

Ao contrário, o “rascunho zero” encoraja fortemente os negócios e a indústria – e, aí dentro, especialmente as grandes empresas - a mostrarem sua liderança na realização da “economia verde”. Não se pede mudança nesta forma de agir da indústria, das grandes empresas, do business as usual.

O documento apóia os instrumentos de mercado para reduzir a destruição dos bens naturais. Acredita que a solução virá do aumento do comércio mundial, do livre comércio (sem barreiras) entre os países. Enfatiza a importância do Banco Mundial, do FMI (Fundo Monetário Internacional), da OMC (Organização Mundial do Comércio) para a implementação desta “economia verde”.

Em suma, o documento pretende que se faça uma “economia verde” sem mexer no essencial da economia dominante, naquele essencial que a torna depredadora da natureza. Quer manter as mesmas instituições – FMI, OMC, BM - que lideraram o processo de neoliberalização das economias dos últimos trinta anos, período no qual, a depredação da natureza foi ainda maior que nos períodos anteriores, graças à “desregulação”, à redução ou anulação dos controles públicos sobre a atuação dos bancos e das empresas.

A prioridade atribuída ao capital financeiro e seus lucros – e, por isso, ao controle da inflação e dos gastos públicos em políticas sociais – desvalorizou os seres humanos, desprestigiou os trabalhadores, gerou um desemprego massivo e estrutural por toda parte, enfraqueceu os direitos humanos. Hoje, os seres humanos são menos importantes que a dívida pública: para enfrentá-la, tudo é válido, mesmo a destruição das condições de vida digna para as pessoas (como está ocorrendo na Europa atual). Os governos não governam em primeiro lugar para os cidadãos, governam para pagar aos bancos, aos investidores (nacionais e internacionais).

E a concorrência desenfreada entre as empresas levou a uma destruição mais acelerada dos bens naturais, ao aumento do aquecimento global.

O que tem feito o “mercado” com relação aos bens naturais até agora? Na sua busca desregulada de lucro – que é o objetivo essencial do mercado -, as empresas exploram a natureza até o seu esgotamento. Esta é a razão pela qual as florestas estão desaparecendo, o petróleo continua sendo usado como principal fonte de energia, a água tem sido esgotada em inúmeras fontes por todo o globo terrestre. As condições de “comércio livre” têm favorecido a destruição da pequena agricultura de países emergentes pelos países desenvolvidos.

Por que não se substituiu o investimento na produção de automóveis individuais pelo investimento na produção de meios de transporte coletivos (trens, metrôs e outros), muito mais eficientes, muito mais úteis para a população e menos poluentes? Porque as grandes empresas automobilísticas querem continuar a ter lucro e os governos as favorecem. A solução, portanto, não é o “mercado”, é o controle do “mercado”, é a submissão da lógica da busca do lucro individual à lógica da busca do bem público: os governos devem investir recursos públicos nos transportes coletivos, solução primeira para reduzir a utilização dos automóveis individuais, para reduzir o consumo dos recursos usados em sua fabricação, para a redução da utilização de combustíveis fósseis e da poluição atmosférica.

Por que as florestas são desmatadas? Porque contêm madeira que tem muito valor no “mercado”. E porque devem ceder espaço para o agronegócio (o “mercado”). O que vai impedir o desmatamento? A exigência pública de que as florestas sejam preservadas. Não é o “mercado” que preserva a floresta, ao contrário, é sua afirmação como bem comum, bem de todos, do qual ninguém pode se apropriar privadamente.

Para dar um exemplo de “precificação” dos bens naturais: o que aconteceu quando os serviços públicos de água em Cochabamba (Bolívia) foram privatizados (ou: passaram a ter “valor de mercado”) no ano 2000? O preço dos serviços de água foram quadruplicados - para dar lucro. Antes, era um serviço para a população: um serviço público não precisa de lucro, basta investir o necessário à sua realização. Já o serviço prestado por uma empresa privada, precisa de lucro para os seus proprietários e, eventualmente, para gastar menos (e ter mais lucro), a empresa pode deixar de fazer os investimentos necessários. A água só voltou ao valor anterior quando o serviço voltou a ser público, isto é, quando saiu do “mercado”.

A solução para a grave crise ambiental que estamos vivendo não é, pois, a colocação de preço nos bens naturais e nos “serviços ambientais”. É a preservação dos bens e dos processos naturais como bens comuns, como bens de todos, de toda a humanidade. Nós não precisamos de uma “economia verde”: nós precisamos de uma outra economia, nós precisamos de um outro desenvolvimento.

*Ivo Lesbaupin é secretário-executivo do Iser Assessoria e membro da diretoria executiva da Abong - Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais.