Há algo de cômico em ver adeptos do livre mercado e da concorrência
procurando argumentos para defender uma banca de oligopólio especializada em
espoliar os brasileiros com “spreads” capazes de deixar qualquer banco mundial
corado de vergonha.
Se os bancos brasileiros estão entre os que mais lucram no Universo, é
porque nunca precisaram, de fato, viver em um sistema no qual o poder estatal
impediria a extorsão institucionalizada à qual ainda estamos submetidos.
No mundo inteiro, o sistema bancário faz jus à frase do dramaturgo
Bertolt Brecht: “O que é roubar um banco se você imaginar o que significa
fundar um banco?”.
Nos últimos anos, vimos associações bancárias com comportamentos dignos
da máfia, pois são especializadas em maquiar dados e balanços, criar fraudes,
ajudar a evasão fiscal, operar em alto risco e passar a conta para a frente,
além de corromper entes públicos.
Mas a maior astúcia do vício é travestir-se de virtude. Assim, o sistema
financeiro criou a palavra “austeridade” a fim de designar o processo de
assalto dos recursos públicos para pagamento de rombos bancários e “stock-options”
de executivos criminosos, com a consequente descapitalização dos países mais
frágeis.
Se não tivemos algo da mesma intensidade no Brasil, vemos agora um
processo semelhante do ponto de vista retórico. Assim, os “spreads” bancários
seriam o resultado indigesto do risco alto de inadimplência, já que a população
brasileira teria o hábito pouco salutar de não pagar suas dívidas e se deixar
endividar além da conta.
Neste sentido, os lucros bancários seriam (vejam só vocês) o remédio
amargo, porém necessário, até que a população brasileira aprenda a viver com o
que tem e assuma gastos de maneira responsável. O mais impressionante é
encontrar pessoas que se acham capazes de nos fazer acreditar nessa piada de
mau gosto.
A verdade é que quanto menos poder e margem de manobra o sistema
financeiro tiver, melhor é a sociedade. Há sempre aqueles “consultores” que
dirão: “É fácil falar mal dos bancos”, apresentando o espantalho do populismo. A
estas pessoas devemos dizer: “Sim, é fácil. Ainda mais quando não se está na
folha de pagamento de um”. Já sobre o “risco” do populismo, pobres são aqueles
para os quais a defesa dos interesses econômicos da população sempre é sinal de
irracionalidade.
*Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de
filosofia da USP