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5.12.12

Manifesto em Defesa do Barulho das Crianças

Grupo de Pesquisa Identidade e Território (GPIT), ligado à Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vem por meio deste manifestar a preocupação de seus pesquisadores no campo do Planejamento Urbano e Regional com a recente decisão do desembargador Carlos Marchionatti, motivada por ação de uma escritora, que alegou prejuízo profissional de atividades realizadas em sua residência em função do ruído produzido por crianças de 18 meses a seis anos de idade, no pátio de uma escola vizinha, localizada no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. A decisão, vencida em primeiro grau e confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), coloca algumas questões importantes e urgentes sobre as quais a sociedade brasileira precisa refletir.

Nos estudos urbanos ainda carecemos de maior volume de investigações a respeito das relações entre sons e cidade, no entanto o tema tem estado presente em trabalhos acadêmicos em todo o mundo, inclusive os realizados e debatidos no interior do GPIT. Não temos dúvidas sobre a importância dos sons como delimitadores de territorializações na experiência espacial, especialmente no espaço urbano. Sirenes, badalar de sinos, vozerio das multidões ou saudosos sons dos vendedores de jornais e afiadores de faca não apenas situam um tempo-espaço como também acabam por expressar ou mesmo regular a convivência. Locus da modernidade, o urbano é o lugar de encontro das diferenças e de convívio com imagens sonoras, as mais diversas. Viver em cidade é acolher a diversidade e experimentar a diferença. Escolas são importantes equipamentos urbanos que articulam a vida dos bairros, orientando inclusive a escolha da moradia por famílias que desejam viver em proximidade com esses espaços. Do ponto de vista da legislação urbana, inclusive não há impedimento de atividades escolares no Moinhos de Vento e, por princípio, escolas devem estar situadas em áreas de alta densidade.

Entendemos que a decisão da Justiça do Rio Grande do Sul pode estimular a intolerância, ao invés de promover soluções apaziguadoras, como a adoção de tecnologias de conforto acústico e uma série de outros recursos e medidas que minimizem a propagação sonora tanto na escola quanto na residência. A mediação de conflitos neste campo não pode mais se dar apenas baseando-se na medição física do fenômeno acústico, dada a importância social de muitas das atividades que se configuram como fontes emissoras. Estudos apontam que o tráfego automotor, por exemplo, é responsável pela maior parte do que é considerado poluição sonora em nossas cidades hoje, levando inclusive a transtornos psíquicos, mas não se tem apontado para a proibição da circulação de automóveis como solução desse problema. No caso dos espaços reservados à vivência das crianças em nossas cidades, o que propomos aqui não é que se deixe de observar os direitos que assistem o cidadão, mas que possamos pensar e colocar em prática alternativas que não se traduzam no distanciamento – ou silenciamento – de grupos ou sujeitos, pois é exatamente o relacionamento entre eles que fortalece a civilidade.

Grupo de Pesquisa Identidade e Território – GPIT/CNPq