O que aconteceria se uma mulher despertasse uma manhã
transformada em homem?
E se a família não fosse o campo de treinamento onde o
menino aprende a mandar e a menina a obedecer?
E se houvesse creches?
E se o marido participasse da limpeza e da cozinha?
E se a inocência se fizesse dignidade?
E se a razão e a emoção andassem de braços dados?
E se os pregadores e os jornais dissessem a verdade?
E se ninguém fosse propriedade de ninguém?
Charlotte Gilman delira. A imprensa norte-americana a ataca,
chamando-a de mãe desnaturada; e mais ferozmente a atacam os fantasmas
que moram em sua alma e a mordem por dentro. São eles, os temíveis inimigos que
Charlotte contém, que às vezes consegue derrubá-la. Mas ela cai e se levanta, e
cai e novamente se levanta, e torna a se lançar pelo caminho.
Esta tenaz
caminhadora viaja sem descanso pelos Estados Unidos, e por escrito e por falado
vai anunciando, nos começos do século XX, um mundo ao contrário.
Eduardo Galeano. Mulheres. Trad. Eric Nepomuceno.
Porto Alegre: L&PM, 2000.
Eduardo Galeano. O Século do Vento. Trad. Eric
Nepomuceno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.