As grandes corporações, companhias transnacionais, exercem uma cotidiana e continua supremacia na vida de cada indivíduo e na sociedade em geral. Repercussões que vão desde os produtos e serviços que elas oferecem, até os impactos políticos, sociais, ambientais e/ou culturais que acarretam. Estes danos e interferências hegemônicas são examinadas/denunciadas no documentário The Corporation. Aproximando-se da psicanálise, o filme analisa que tipo de pessoas as corporações poderia ser... Pessoas? Sim, já que elas assim já são consideradas.
Isso já é explicado, na primeira parte, quando The Corporation revela que, no final da Guerra Civil dos EUA – com o objetivo específico de impedir que os Estados prejudicassem as pessoas negras –, aprovou-se a 14a. Emenda da Constituição dos EUA: “Nenhum Estado pode tirar de qualquer pessoa a vida, a liberdade ou a propriedade sem um processo jurídico adequado”. Entretanto, a 14a. Emenda recebeu uma interpretação extensiva, em prol das companhias transnacionais:
Em 1886, o condado de Santa Clara, nos EUA, enfrentou nos tribunais a Southern Pacific Railroad, poderosa companhia de estradas de ferro. No veredicto, sem maiores explicações, o juiz responsável pelo caso declarou, em sua argumentação, que “a corporação ré é um individuo que goza das premissas da 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que proíbe ao Estado que este negue, a qualquer pessoa sob sua jurisdição, igual proteção perante a lei”. Isso significa que, a partir daquele momento, era estabelecida uma jurisprudência através da qual, perante as leis norte americanas, corporações poderiam considerar-se como indivíduos.
Em resumo, como relatado no filme, os advogados das cooperações disseram: “vocês não podem tiram de uma pessoa a vida, a liberdade ou a propriedade. Somos uma pessoa, a corporação é uma pessoa”. E a Corte Suprema aceitou isso. A partir daí, o grotesco é que a 14a. Emenda da Constituição dos EUA foi criada para proteger escravos recentemente libertados; mas, entre 1890 e 1910, dos 307 casos julgados envolvendo a 14a. Emenda, 288 eram de corporações e 19 de afro-americanos, declara um dos entrevistados. E até hoje, as companhias transnacionais seguem sendo tratadas como se fossem pessoas...
Então, a partir dessa inusitada interpretação/ficção, arrisca-se a pergunta: Que tipo de gente as corporações seriam? Para responder tal questão, os roteiristas e diretores do documentário, ao estilo dos “psiquiatras”, mergulham nos sombrios e amorais subterrâneos da “psique” corporativa, analisando as motivações e os efeitos das suas ações.
O diagnóstico conhecido é que a principal razão de ser de uma corporação é a produção de riqueza, a obtenção de lucro, a acumulação de capital. O problema é que essa lógica desenvolve-se a qualquer custo, inclusive, em detrimento do bem estar comum de uma ou toda a coletividade humana. Basta estar que as companhias transnacionais não se sentem responsáveis nem demonstram preocupação com o fato de gerarem aquilo que se convencionou chamar de “externalidades” (efeitos prejudiciais, que uma dada ação tem sobre terceiros, que não estão envolvidos nessa ação). Em outras palavras, refere-se ao custo de suas operações que nos é transferido através da destruição do meio-ambiente, das guerras promovidas para suster seus rendimentos ou ainda pela fome e miséria causada entre os pobres trabalhadores do mundo.
Assim, examinando aquilo que determina as corporações a agirem como uma máquina externalizadora, The Corporation analisa casos típicos, como: violações trabalhistas em países como República Dominicana, onde se denuncia que a Nike é suspeita de explorar mão de obra barata; e graves efeitos nocivos ocasionados em seres humanos e vacas, em função de que, nos testes toxicológicos da Monsanto, para aumentar a produção de leite, vacas podem ter recebido rBGH - BST (nome comercial Posilac).
Mas, além de avaliar/denunciar algumas externalidades cometida por uma ou outra corporação, o documentário apresenta diversas vitórias contra essa instituição que se diz invencível. Uma ilustração é a luta vitoriosa do povo boliviano contra as transnacionais que planejavam a privatização da água, em Cochabamba. Nesse sentido, o documentário tem a intenção de mobilizar! Como disse o roteirista Joel Bakan, em entrevista à agência de notícias IPS: “Nós queremos mostrar às pessoas que elas ainda podem mudar as coisas”.
Há de se concordar: Não podemos ser escravos silenciosos de um sistema opressor que nos afaga com bens materiais e que compra a nossa cooperação com mais e mais dinheiro sempre que nos mostramos descontentes e ameaçamos iniciar uma rebelião contra o modo de produção dominante.
Enfim, inspirado no livro The corporation: the pathological pursuit of profit and Power – com versão em português: "A Corporação: a busca patológica por lucro e poder" –, de Joel Bakan (o qual assina o roteiro, junto com Harold Crooks), o filme tem a direção de Mark Achbar e Jennifer Abbott. E conta com as participações de Noam Chomsky, Michael Moore, Vandana Shiva, Milton Friedman, Sir Mark Moody-Stuart (ex-dirigente mundial da Shell) e outras entrevistas com pessoas, direta ou indiretamente, ligadas ao mundo corporativo. Além de depoimentos, o documentário é montado com uma excelente seleção e combinação de trechos de filmes antigos, imagens jornalísticas, representações estáticas, peças publicitárias e animações.
Vencedor do prêmio de melhor documentário nos festivais de Sundance e Amsterdam, The Corporation é uma produção cinematográfica imperdível e que merece ser indicada para muita gente, até porque, sem grandes investimentos em publicidade, os realizadores deste filme dizem apostar na propaganda boca-a-boca para conquistar espectadores. Então vamos lá: ver, rever, recomendar...
E' isso valeu!
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The Corporation: |Official website| + |Trailer|
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