Posso apenas dizer que havia um muro
E que foi contra ele que arremeti
A vida inteira.
Não, nunca o contornei.
Nunca tentei
Ultrapassá-lo de qualquer maneira.
A honra era lutar
Sem esperança de vencer.
E lutei ferozmente noite e dia,
Apesar de saber
Que quanto mais lutava mais perdia
E mais funda sentia
A dor de me perder.”
(Miguel Torga. Depoimento)
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“[...] Ora, os dominantes de turno são os herdeiros de todos os que, algum dia, venceram. A empatia com o vendedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Todo aquele que, até hoje, obteve a vitória, marcha junto no cortejo triunfal que conduz os dominantes de hoje a marcharem por cima dos que jazem por terra [...]. Eles terão de contar, no materialismo histórico, com um observador distanciado [...]. Ele considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.”
(Walter Benjamin. Sobre o conceito da História. Tese VII)
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Os derrotados, observando o “cortejo triunfal” daqueles que os derrotaram, não devem abrir mão de sua história nem abandonarem suas perspectivas...
Mesmo perdendo e sentindo mais funda a dor de se perder, os vencidos não podem adotar a melancolia fatalista da identificação afetiva com os vencedores, que, em verdade, já se curvaram ante as condições impostas...
Atitude digna é continuar a “escovar a história a contrapelo”, é prosseguir na luta contra a mare..., contra o muro...
É isso, valeu!
Querido Gilnei,
ResponderExcluirMuito revelador o seu post que estampa tão bem a banalização do humano e do sujeito. O seu eu comentário é instigante...
Não é surpresa que o que poderia ser compreendido como violência, em um momento pode ser chamado “direito”. Imagina se ao invés de seguir o “cortejo triunfal” o homem coisificado resgatasse a possibilidade de construir o seu destino, como uma criança que descobre o mundo e em um momento resolve que é bacana “escovar palavras”? (Que pena! Esse desejo um dia foi facilmente retirado dela) Utilizo como metáfora o belíssimo poema de Manoel de Barros, no livro “Memórias Inventadas”, que diz...
"Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando osso. No começo achei que aqueles homens não batiam bem. Porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso. Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles faziam o serviço de escovar o osso por amor. E que eles queriam encontrar nos ossos vestígios de antigas civilizações que estariam enterrados por séculos naquele chão. Logo pensei de escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras. Eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas e muitas significâncias remontadas. Eu queria então escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma. Para escutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos. Comecei a fazer isso sentado em minha escrivaninha. Passava horas inteiras, dias inteiros fechados no quarto, trancado, a escovar palavras. Logo a turma perguntou: o que eu fazia o dia inteiro trancado naquele quarto? Eu respondi a eles, meio entresonhado, que eu estava escovando palavras. Eles acharam que eu não batia bem. Então eu joguei a escova fora." (Manoel de Barros).