No dia 29 de abril de 2010, prosseguindo no julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, julgou improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153), que questionava o alcance da Lei nº 6.683/79 (Lei da Anistia).
Assim, por 7 votos contra 2, foi rejeitado o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pretendia que a Suprema Corte anulasse o perdão dado (via Lei da Anistia) aos representantes do Estado (militares e policiais) acusados de praticar crimes como tortura, estupro sequestro e assassinato durante a Ditadura Militar.
Votaram pela improcedência da ADPF 153, além do ministro Eros Grau, os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso e as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie.
E defenderam uma revisão da Lei 6.683/79, alegando que a anistia não teve “caráter amplo, geral e irrestrito”, o ministro Ricardo Lewandowski, que lhe dava parcial provimento nos termos de seu voto, e o ministro Carlos Ayres Britto, que a julgava parcialmente procedente para excluir da anistia os crimes previstos no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição. Para eles, certos crimes são, pela sua natureza, absolutamente incompatíveis com qualquer idéia de criminalidade política pura ou por conexão. Em outras palavras, para Lewandowski e Ayres Britto, crimes cometidos por agentes do Estado no regime ditatorial não podem ser considerados crimes políticos - anistiados pela Lei 6.683/79- e sim comuns.
O ministro Dias Toffoli (impedido) não participou do julgamento porque estava à frente da Advocacia Geral da União à época em que a ADPF nº 153 foi ajuizada e chegou a anexar informações ao processo. O ministro Joaquim Barbosa está de licença médica.
Os votos divergentes
Ministro Ricardo Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski abriu divergência, fundamentada na diferenciação entre crime político e crime comum. E, estendendo-se em seu voto na explicação do que deve ser tipificado como crime político – concluiu que a anistia não pode ser aplicada automaticamente para aqueles crimes que podem ser classificados como crimes comuns.
Para Lewandowski, crimes políticos praticados pelos opositores do regime de exceção e crimes comuns praticados pelos agentes do regime não podem ser igualados. Por isso: “Os agentes do Estado não estão automaticamente abrangidos pela anistia”. Ou seja, para este ministro, a Lei 6.683/79 não trouxe perdão aos agentes do regime que praticaram crimes como tortura, sequestro e assassinato contra opositores durante a Ditadura Militar (1964-1985).
Ainda segundo Lewandowski, será possível a abertura de uma eventual persecução penal. No entanto, juízes devem analisar os casos concretos (caso a caso) para aplicar ou não a lei da anistia a agentes do regime acusados de cometer crimes comuns: “O juiz responsável deverá chegar à conclusão se, pela atrocidade dos meios utilizados, preponderaram os crimes comuns.”
Lewandowski acrescentou que: “É irrelevante que a Lei [da Anistia], no tocante à conexão a crimes comuns e políticos, tenha sido reproduzida na Emenda Constitucional 26/85”.
Ministro Carlos Ayres Britto
Na sequencia, votou o ministro Carlos Ayres Britto que, também, entendeu que devem ser excluídos do texto da Lei de Anistia qualquer interpretação que signifique estender absolvição aos crimes como tortura, homicídios e estupros.
O ministro declarou que não conseguir ver a clareza no texto da Lei 6.683/79, “que outros enxergam, com tanta facilidade, no sentido de que ela, Lei da Anistia, sem dúvida incluiu no seu âmbito de incidência todas as pessoas que cometeram crimes, não só os singelamente comuns, mas os caracteristicamente hediondos, ou assemelhados”.
Diferentemente do voto mais técnico de Lewandowski, o ministro Ayres Britto baseou-se na emoção. Em um tom claramente emocionado, criticou a interpretação que vinha sendo conferida à Lei 6.683/79 e recitou um poema de autoria dele mesmo, escrito há 20 anos. Os versos são os seguintes: “A humanidade não é o homem para se dar as virtudes do perdão. Em certas circunstâncias, o perdão coletivo é falta de memória e de vergonha, convite masoquístico à reincidência”.
Ao lembrar diversos atos de tortura perpetrados durante a ditadura, Ayres Britto fez críticas incisivas aos agentes do Estado que praticaram tortura no regime militar e afirmou com veemência que o torturador é um “monstro”: “Um torturador não comete crime político, crime de opinião. O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado. O torturador é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso dos sofrimentos alheios perpetrados por eles. É uma espécie de cascavel de ferocidade tal que morde o som dos próprios chocalhos. Não se pode ter condescendência com torturador”, que são piores que animais – nas palavras do ministro: “Animais não torturam”.
Ayres Britto também contestou argumentos no sentido de que a Lei da Anistia foi integrada à ordem constitucional por estar reafirmada na Emenda Constitucional 26/85, que convocou a Assembleia Constituinte de 1988. Para o ministro, a Assembleia Constituinte é um poder fundador, não regulado por direito anterior e, por isso, o instrumento de convocação da assembleia é apenas um meio que proporciona a atividade do poder constituinte que, por sua natureza, é um poder independente.
Para Britto, “a Lei de Anistia não foi ampla, geral e irrestrita, foi relativa”. E alertou que aquilo que interessa é a vontade objetiva da lei (a objetividade da lei), não a vontade subjetiva do legislador (a subjetividade do legislador).
Resposta final: Lei da Anistia também perdoou torturadores. Assim, o STF, por maioria decidiu que a Lei 6.683/79, que permitiu a volta dos exilados e abriu caminho para a redemocratização, – também representou o perdão e o esquecimento para os crimes cometidos por agentes estatais da repressão contra seus opositores durante a Ditadura Militar.
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