Por Muniz Sodré - Observatório da Imprensa
O “caso Tiririca”, fartamente discutido na mídia e em rodas de opinião, merece alguma reflexão, não apenas quanto à bizarrice dos comportamentos eleitorais, mas também sobre como raciocinam as elites, repercutidas em última análise pelo senso comum e pela imprensa.
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Mas há uma grande dose de hipocrisia no interesse da mídia e de grandes frações de público pela figura do candidato Tiririca. Em princípio, o riso contrafeito resultaria dos tiques grotescos do personagem detectáveis em atitudes e frases (do tipo “Tiririca, pior do que está não fica”). O riso dos “cultos” seria uma espécie de auto-vacina contra o presumido desvio da normalização político-eleitoral.
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O riso do grotesco
O grotesco é quase sempre, porém, um “arranhão” na crosta dos protocolos sociais, é uma visão incômoda do abismo das aparências superficiais. De fato, pode ser muito incômodo tomar consciência de que, em zonas de sombra do que vimos chamando de “espaço público”, o máximo de “democracia” pode ser aquilatado pelo mínimo de qualificação humana, como tem demonstrado o Big Brother Brasil: o indivíduo sem nenhuma qualidade social é a estrela do show, é como se a palavra boçalidade precisasse de três “bês” (BBB) para ser grafada.
Não raro, a poesia expõe esse tipo de incômodo melhor do que a prosa de argumentos, a exemplo do excelente poeta mineiro Ricardo Aleixo, que indaga: “O que faz de um humano, humano? (...) Os sonhos dos políticos são da mesma matéria de que são feitos os sonhos dos humanos?”
Por isso se observa uma difusa tensão, nada engraçada, decorrente da suspeita, não claramente enunciada, de que se possam contar às centenas os casos tipificados como “grotescos” no panorama eleitoral. Age-se como se Tiririca fosse único, como se fosse um grande “outro”. No entanto, à frente (na televisão), nos lados (nos cartazes de rua), no corpo-a-corpo de candidatos, o grotesco espreita, apenas travestido de uma retórica escolarizada, com sujeito, verbo e predicado – equivalentes gramaticais do paletó e gravata.
Aqui, com todo o rigor desse traje, o cara-de-pau ainda embaraçado nas malhas da Justiça anuncia-se como “ficha limpa”; ali, o candidato a deputado expõe o seu programa: “Nós é jeca, mas é jóia”; acolá, a candidata ao governo se atrapalha: “Temos que defender essa corrupção”.
O riso do grotesco é sempre nervoso. O risco é nos darmos conta, como agora, de que Tiririca é legião.
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