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22.11.10

Slavoj Žižek: direitos humanos x direitos do inumano

[...] Em nível ainda mais geral, deveríamos problematizar a própria oposição entre Direitos Humanos universais (pré-polítcos), que pertencem a todo ser humano “como tal”, e direitos políticos específicos do cidadão, membro de uma comunidade política específica; Balibar defende a “inversão da relação histórica e teórica entre ‘homem’ e ‘cidadão’” que resulta do fato de “explicar como o homem é feito pela cidadania e não a cidadania pelo homem.
Aqui, Balibar cita o pensamento de Hannah Arendt a propósito do fenômeno dos refugiados do século XX: “O conceito de direitos humanos, baseado na suposta existência de um ser humano em si, desmoronou no mesmo instante em que aqueles que diziam acreditar nele se confrontaram pela primeira vez com seres que haviam realmente perdido todas as outras qualidades e relações específicas – exceto que ainda eram seres humanos.

É claro que essa frase leva diretamente à noção de Homo sacer, de Agamben, como o ser humano reduzido à “vida nua”: na dialética paradoxal propriamente hegeliana de universal e particular, é exatamente quando o ser humano é privado de sua identidade sociopolítica particular, da base de sua cidadania específica, que ele, num único e mesmo movimento, não é mais reconhecido e/ou tratado como ser humano. Em resumo, o paradoxo é que somos privados dos direitos humanos exatamente quando, de fato, na realidade social, somos reduzidos a um ser humano “em geral”, sem cidadania, profissão etc. – ou seja, exatamente quando, de fato, somos os portadores ideais dos “direitos humanos universais” (que me pertencem “independentemente” de profissão, sexo, cidadania, religião, identidade étnica...).

[...] Então, o que acontece com os Direitos Humanos quando se reduzem aos direitos do Homo sacer, dos excluídos da comunidade política, dos reduzidos à vida nua” – ou seja, quando se tornam inúteis, já que são os direitos dos que, exatamente, não têm direitos, dos que são tratados como inumanos? Aqui, Rancière sugere uma inversão dialética bastante espantosa:

Quando eles não têm mais utilidade, fazemos o mesmo que as pessoas caridosas fazem com as roupas velhas. Damos para os pobres. Aqueles direitos que parecem inúteis em seu lugar de origem são mandados para o estrangeiro, junto com roupas e remédios, para gente privada de roupas e remédios, e direitos. É dessa maneira, como resultado desse processo, que os Direitos do Homem se tornam os direitos dos que não têm direitos, os direitos de seres humanos nus sujeitos à repressão inumana e a condições de vida inumanas [...].

ŽIŽEK, Slavoj. A visão em paralaxe.
Tradução Maria Beatriz de Medina. Boitempo, 2009.

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