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20.5.12

Migrantes

Migrantes é um documentário que retrata as condições de trabalho e vida dos trabalhadores do Nordeste nos canaviais das modernas usinas paulistas e os motivos que os levam a migrarem de suas terras para submeterem-se a um trabalho árduo, penoso, arriscado no corte da cana. Nos canaviais eles ficam sujeitos a uma nova disciplina e submetidos a um ritmo de trabalho que os colocam no limite de suas capacidades físicas: são obrigados a cortarem, no mínimo, 10 toneladas de cana/dia para permanecerem empregados. A produtividade aumentou, as dificuldades no trabalho também, os ganhos continuam insuficientes. Mesmo assim estes trabalhadores, super-homens da produção, migram por necessidade. A realidade destes trabalhadores do agronegócio da cana é desafiadora para a sociedade e autoridades brasileiras. Como reverter esta situação? Este é o maior desafio que o vídeo documentário coloca em cena.
(Direção: Beto Novaes, Francisco Alves e Cleisson Vidal. Áudio: Português. Brasil, 2007)



Filme fruto de parceria entre quatro universidades federais mostra a hipocrisia do discurso da “modernidade” no campo brasileiro e expõe realidade dos migrantes nordestinos. Gustavo Barreto. Consciência.Net*

Do Piauí, do Maranhão e de outros Estados, migrantes brasileiros deixam suas famílias e “desabalam para São Paulo”. Vai todo mundo “pro corte de cana”. Seu Luiz, do município de Codó, no Maranhão, é um deles. “Não sei se eu vou, não sei se eu não vou, meu Deus. Aí fica naquela, sabe? Mas que vai resolvendo eu ir”, conta.

“Por mim ele não ia não”, conta a bem-humorada sogra de Luiz, Tereza. “Eu acho dificultoso ele pra lá e nós pra cá. A mulher dele fica aí sofrendo”. Quando foi pela primeira vez, ela completa, chegou “magrinho, magro demais”. Luiz argumenta: “Na idade que eu tô, pra ir não é porque eu queira. É por necessidade. Porque se eu não ir, aqui não tem como me ajudar meus filhos. De maneira alguma”.

A dura realidade de Luiz e de outros milhares de cortadores de cana-de-açúcar é tema do documentário “Migrantes” (2007), fruto de uma parceria entre a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O documentário pode ser acessado desde novembro de 2010 na página de vídeos YouTube.

Esta é uma realidade pouco conhecida. Os jornais, TVs e revistas costumam destacar a “modernidade do campo” e o desenvolvimento agrário brasileiro – automatizado, justo e sem grandes problemas, cuja principal ameaça seriam os grupos de trabalhadores politicamente organizados. Um belo roteiro de ficção.

A realidade é o foco deste documentário. Entre outros assuntos, trata dos “grandes fazendeiros”, que cercam a terra, expulsam a população local e não deixam ninguém mais produzir – mas também não produzem. A consequência é conhecida dos pesquisadores e trabalhadores rurais: migração e aumento da miséria nas grandes cidades.

Outra realidade pouco destacada na grande imprensa não pode ser contabilizada: as famílias são despedaçadas. A busca pela sobrevivência dá lugar, nas cidades de origem, à saudade e à tristeza de viver em uma família sem pais ou irmãos. Ficam apenas as mulheres, crianças e aposentados. São filhas, mães, esposas, cada qual sofrendo à sua maneira.

Em 2008, pesquisadores da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) observaram que o desgaste físico diário do cortador de cana é igual ao de um maratonista. Um estudo sobre o corte manual da cana-de-açúcar no interior paulista sobre a ergonomia no trabalho do cortador afirmou que em apenas 10 minutos esse trabalhador corta 400 Kg de cana, realiza 131 golpes de facão e flexiona o tronco 138 vezes.

A extenuante jornada não conta com repouso. O objetivo é quase sempre garantir a sobrevivência das famílias dos cortadores. No entanto, nestas “modernas” usinas os trabalhadores são obrigados a cortar no mínimo 10 toneladas de cana/dia para permanecerem empregados. Além disso, são submetidos a condições de trabalho análogas ao trabalho escravo, tal como o endividamento contínuo na fazenda.

Segundo outro estudo, “Por que morrem os cortadores de cana” (2006), a morte dos trabalhadores assalariados rurais cortadores de cana está relacionada ao pagamento por produção.

Para Francisco Alves, que também é um dos diretores do documentário e professor do Departamento de Engenharia da UFAScar, os processos de produção e de trabalho vigentes no Complexo Agroindustrial Canavieiro foram concebidos objetivando a produtividade crescente do trabalho e, combinados ao pagamento por produção, “provocam a necessidade de os trabalhadores aumentarem o esforço despendido no trabalho”. “O crescimento do dispêndio de energia e do esforço para cortar mais cana provoca ou a morte dos trabalhadores ou a perda precoce de capacidade de trabalho”, escreveu Francisco Alves.

Para Beto Novaes, outro diretor e roteirista, o filme serve para preencher uma lacuna quanto ao conhecimento da realidade vivida por esses trabalhadores. “Há muita desinformação das pessoas quanto ao tema. Muitas vezes, a realidade está ao lado, mas ‘banalizada’ e ‘naturalizada’ na interpretação cotidiana. Nossa intenção é transformar isso em indignação, estimular o debate, socializar as informações”.
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*Gustavo Barreto, jornalista, radialista e produtor cultural, coordena a Revista Consciência.Net.