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27.7.10

Não a infância brutalizada

Luís Carlos Lopes
Não casualmente, o atual projeto de lei do Executivo que penaliza pais que batem em seus filhos gerou amplas controvérsias. As reações vieram de toda parte, principalmente das famílias conservadoras de todo gênero e classe social que acreditam, ainda, na lógica da violência como estratégia de educar seus rebentos. A maioria destas vêm usando de mil e um subterfúgios para legitimar a velha prática brasileira de maltratar seus filhos em nome da ‘boa educação’.
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O Brasil é tributário de um passado escravista colonial. Nele, a tortura do escravo ‘organizava’ a vida social. A família senhorial não dava direitos humanos expressivos às mulheres e aos filhos. Os jesuítas, primeiros organizadores de nossos sistemas educacionais, defendiam a idéia de que com ‘sangue a letra entra’, isto é, a educação de crianças e adolescentes deveria ser acompanhada pela palmatória e muitas outras sevícias. A tortura na sala de aula foi sendo progressivamente abandonada e fortemente criticada pelos modernos educadores do país, a partir da década de 1930. Infelizmente, volta e meia, o país é confrontado com a existência contemporânea de traços deste passado.

A instituição familiar no Brasil é relativamente nova e se embriagou nas tradições sociais, religiosas e políticas da formação histórica nacional. Bater nos filhos foi visto, durante muito tempo, como algo normal, desde que o assassinato não se consumasse. Não é difícil explicar a reação dos que defendem este tipo odioso de educação. Normalmente, foram vítimas dela e na idade adulta a reproduzem com beligerância. Têm como certo que é isto o que forma homens e mulheres de verdade. Acham que os filhos são uma espécie de propriedade e que ninguém deve dar palpite no modo usado por eles para educá-los.

Nem todos os que foram brutalizados na infância se transformam em pessoas violentas e perigosas. O resultado pode ser outro. O castigo físico imposto às crianças, além de provocar possíveis danos físicos, acarretam danos psicológicos, levando, por exemplo, ao aparecimento de adultos inseguros e incapazes de construírem suas próprias vidas. Os violentos e os inseguros serão conduzidos a defender idéias conservadoras e a reproduzir a educação que tiveram. Este processo é possível de ser interrompido. Existem os que sofreram violências e as repudiam, criticando seus algozes.

Estudos relativamente recentes mostram a ligação bem nítida entre os problemas sociais e um tipo de educação violenta e castradora da humanidade de cada criança. Ao contrário de serem capazes de interpretar o mundo em que vivem, os reprimidos na infância podem se tornar incapazes de compreender a si próprios e ao entorno social. Isto não ocorre obrigatoriamente. Entretanto, o fato acontece freqüentemente. É fácil de se vê-lo nos casos dos adultos que defendem posições absurdas, porque se trata idéias e práticas que lhes trazem inúmeros prejuízos.

Luís Carlos Lopes é professor e escritor.
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