A esperança maior dos familiares
Certamente, abre-se uma nova fase esperançosa para os familiares de desaparecidos da ditadura militar brasileira (1964-1985) com a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
É importante lembrar que, desde 1982, familiares das vítimas do Araguaia solicitavam, na Justiça brasileira, as informações sobre as circunstâncias do desaparecimento, das mortes, e a recuperação dos corpos. Como nunca tiveram respostas, eles com o apoio da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos - CFMDP-SP, do Grupo Tortura Nunca Mais - GTNM-RJ, do Centro pela Justiça e o Direito Internacional - Cejil, apresentaram uma petição contra o Brasil junto a Comissão Interamericana - CIDH. E esta, então, submeteu a demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos CorteIDH. |Cf. CorteIDH da OEA: Caso Guerrilha do Araguaia|
A sentença da CorteIDH
A partir daí, depois de analisar o caso – Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) versus Brasil –, a CorteIDH proferiu sentença, responsabilizando o Estado brasileiro pela desaparição forçada de 62 pessoas, ocorrida entre os anos de 1972 e 1974, na região conhecida como Araguaia. E dispôs, entre outras medidas, que o Estado investigue penalmente os fatos do presente caso por meio da justiça ordinária. E, adicionalmente, entre outras conclusões, inferiu que: o Brasil é responsável pela violação do direito à integridade pessoal de determinados familiares das vítimas, entre outras razões, em razão do sofrimento ocasionado pela falta de investigações efetivas para o esclarecimento dos fatos; assim como é responsável pela violação do direito de acesso à informação, estabelecido no artigo 13 da Convenção Americana, pela negativa de dar acesso aos arquivos em poder do Estado com informação sobre esses fatos.
Além disso, a CorteIDH concluiu que as disposições da Lei de Anistia nº 6.683/79, que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos, são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos, razão pela qual não podem continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos do caso, nem para a identificação e a punição dos responsáveis. |Ler Senteça|
A posição (“desmoralizada”) do STF
Neste contexto, cabe recordar que a OAB (talvez cometendo um erro estratégico?) entrou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 153, questionando partes da Lei 6.683/79 (Lei de Anistia); por entender que a anistia concedida aos autores de crimes políticos e seus conexos não deveria ser estendida aos crimes comuns praticados por agentes públicos acusados de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores; afinal, o perdão não poderia incluir crimes de lesa-humanidade cometidos por agentes do regime ditatorial. Entretanto, o então ministro do STF Eros Grau, relator da Arguição da OAB, votou pela manutenção da Lei da Anistia como está escrita/interpretada; sendo acompanhado, pela maioria dos ministros do STF, que, por 7 votos contra 2, julgaram improcedente a ADPF 153.|Cf. STF: Lei da Anistia+Por 7 a 2 - STF é contra revisão da Lei da Anistia|
Bueno, agora, a sentença da CorteIDH bate de frente com a posição da maioria do STF.
E, como escreveu o jornalista Paulo Henrique Amorim, é uma desmoralização:
“[...] Foi nisso o que deu o Supremo Tribunal Federal acompanhar – a maioria – o voto do relator Eros Grau, que entrará para a História da Justiça continental como o redator do mais bem articulado, o mais erudito dos (inúmeros) textos que defenderam torturadores [...]. Não deve haver na Argentina, no Chile, no Uruguai um voto que exiba metade do brilho do voto de Grau: jamais se defendeu torturadores de um regime militar com tanta inteligência – e desfacatez. Nem em Nuremberg. Nem na Inquisição [...]. O Brasil já tinha motivos para cobrir o rosto de matéria fecal: era o único país da Operação Condor que não puniu os torturadores. Agora, mais ainda: pode nela lavar-se dos pés à cabeça [...]. O Conversa Afiada sugere que o professor Fábio Comparato – que persegue os torturadores nas barras dos tribunais – seja o candidato do Brasil ao Prêmio Nobel da Paz [...].” |Cf. Paulo Henrique Amorim, Conversa Afiada|
As expectativas...
Aliás, o jurista Fábio Comparato, em entrevista concedia à revista Caros Amigos, em out/2010, comentou, antecipando a condenação do Brasil na CorteIDH, que essa possibilidade deixa o Estado brasileiro, os nossos dirigentes em geral, temerosos “porque isto porá a nu a nossa dissimulação no plano internacional”. E completou:
“Se a Corte Interamericana condenar o Brasil, ela vai exigir que seja revogada a Lei de Anistia de 1979, com a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal. Mas o Brasil pode não cumprir essa exigência. E ficará, então, fora da lei no plano internacional. As consequências disso são indiretas, ou seja, isso vai ser levado em conta se o Brasil vier a pleitear, por exemplo, um cargo nas Nações Unidas, no Conselho de Segurança. Mas, não há um efeito direto. De qualquer forma, isso certamente vai ser uma derrota política para a oligarquia brasileira. Há um projeto de lei da deputada Luciana Genro, interpretando a lei 6.683 de 1979, que é a Lei de Anistia. Então, é possível que eles digam: "Vamos aproveitar isso e dar uma nova interpretação, agora legislativa (ou seja, a chamada interpretação autêntica) para a Lei de Anistia." Isso, na melhor das hipóteses. Agora, se após essa reinterpretação da Lei de Anistia os criminosos do regime militar vão ser condenados, é outra história. A probabilidade de condenação antes de todos eles passarem desta vida para a melhor é praticamente nula.” |Cf. Caros Amigos, nº 163/out-2010|
Já, na avaliação do ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos - SDH, do governo Lula, Paulo Vannuchi, “existe possibilidade jurídica” do STF rever a decisão de manter a interpretação sobre a Lei de Anistia e considerar anistiados os crimes comuns, como sequestro, tortura, estupro e assassinato, cometidos por a agentes de Estado contra movimentos guerrilheiros e de resistência à ditadura militar. Para ele, cabe ao Estado brasileiro acatar a determinação da CorteIDH, uma vez que é membro da OEA e signatário das convenções internacionais, como o Pacto de San Jose da Costa Rica que assegura o respeito a direitos humanos políticos e civis, violados pelo Exército durante o período ditatorial no Brasil. |Cf. SDH|
É o que se espera! A esperança de que muitos outros passos ainda sejam dados nessa história... Mais e mais passos à frente em direção ao direito à memoria, à verdade, aos direitos humanos!
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